“Não há vivos, há os que morreram e os que esperam a vez.” Carlos Drummond de Andrade
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
SEU CIGARRO
O cigarro é um artefato surpreendentemente complexo, como sabemos agora, graças à avalanche de documentos divulgados durante anos de litígio nos Estados Unidos. Os arquivos do tabaco disponíveis on-line no site legacy.library.ucsf.edu contêm cerca de 80 milhões de páginas de documentos da indústria que antes eram mantidos em segredo.
O que os documentos revelam também é uma a mescla maléfica de ingredientes utilizados nos cigarros. Um documento de 1992 elaborado pelo escritório de advocacia Covington & Burling, um dos maiores na defesa da indústria do tabaco, lista 614 aditivos diferentes nos cigarros. Aqui estão alguns dos itens mais pitorescos, juntamente com a quantidade, convertida de libras para quilos, adicionada aos cigarros, em 1991
Glicerol: 11.299.059,5
Propileno glicol: 10.343.550.1
Cacau e casca de cacau: 4.219.671,2
Alcaçuz 3.692.274,9
Diamônio fosfato: 2.751.269,1
Uréia: 1.077.735,3
Mentol 709.762,6
Pão de São João: 444.420,7
Chocolate: 381.654,8
Sorbato de potássio: 134.709,7
Suco de ameixa e concentrado: 70.802,6
Ácido levulínico: 6.084
Raiz de Angélica: 2.326
Noz-moscada em pó e óleo: 1.070
Extrato de raiz sólida de dente-de-leão: 927,1
Em seus sites, a Philip Morris lista mais de 100 aditivos diferentes, a Reynolds lista 158 e a Lorillard, 137. Muitos destes são agentes aromatizantes e é supostamente por isso que a lista inclui óleo de bergamota, extrato de feno-grego, óleo de gerânio de Bourbon, etil-vanilina, óleo de tangerina, sândalo e algo chamado “extrato immortelle”.
Só na lista de ingredientes com a letra “c” encontramos óleo de cardamomo, óleo de canela, extrato de café, óleo de coentro e um óleo feito a partir de flores de camomila. Aparentemente, já não estão na lista alguns ingredientes vistos anteriores: sumiu, por exemplo, o “almíscar absoluto”, que é uma secreção da glândula anal do gato-almiscarado, e o castóreo, uma secreção glandular comparável do castor siberiano.
Alguns compostos são adicionados para efeitos fisiológicos. O mentol, por exemplo, não só acrescenta frescor e um sabor de hortelã, mas também tem efeitos anestésicos, dando um empurrão aos fumantes iniciantes e uma sensação “medicinal” aos fumantes ativos. Os açúcares são adicionados para produzir um fumo mais suave, mais inalável, e também porque, quando queimados, geram acetaldeído, aumentando a potência viciante da fumaça resultante.
A nicotina por si só não é normalmente adicionada, além da que já se encontra na folha de tabaco pura ou misturada, mas amoníaco é utilizado em abundância — de fato, milhões de toneladas por ano—, para transformar a molécula de nicotina do estado “ligado” para o de “base livre”, criando uma espécie de crack de nicotina. O ácido levulínico igualmente é adicionado para aumentar a eficiência da ligação da nicotina no cérebro. O cacau é adicionado não só pelo aroma, mas também pelo seu impacto como um broncodilatador: O cacau contém o alcalóide teobromina, que ajuda a abrir os pulmões para “receber” a fumaça.
O consumo mundial de cigarros já atingiu seis trilhões de unidades por ano, ou 483 milhões de quilômetros de cigarros enfileirados, o suficiente para fazer uma corrente contínua de ida e volta da Terra ao Sol, com sobra o suficiente para um par de viagens a Marte. Nessa longa jornada, os fumantes merecem saber exatamente o que está em seus cigarros, e por quê.
—Proctor é professor de história da ciência na Universidade de Stanford e autor do livro “Golden Holocaust: Origins of the Cigarette Catastrophe and the Case for Abolition” (em tradução livre, “Holocausto de ouro: As origens da catástrofe do cigarro e o argumento para sua abolição”.
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