sábado, 31 de janeiro de 2015

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Fiz o Teste “Você é Viciado em Internet” e Acertei Tudo

janeiro 26, 2015

Ilustrações por Joel Benjamin.
O vício em internet ainda não é uma doença oficialmente reconhecida no manual de diagnósticos DSM-V. Mas uma busca recente por "ajuda com vício em internet" revelou vários centros de reabilitação para viciados em internet, terapeutas especializados nessa condição e um Viciados em Internet e Tecnologia Anônimos.
Estou limpa e sóbria de drogas e álcool há um certo tempo e sei muita coisa sobre vício, por isso consigo reconhecer exatamente o que está acontecendo comigo em relação à internet: estou tentando remendar um buraco dentro de mim que não pode ser consertado com coisas externas. A internet me fornece dopamina, atenção, amplificação, conexão e fuga. Ela também me distrai, decepciona e paralisa, além de catalisar uma sensação falsa de identidade. Estou me agarrando às porcarias que ainda posso usar para ficar loucona numa festa tosca de dopamina.
Além disso, não sei o que estou fazendo. Ultimamente sinto que a internet está me penetrando. Sinto como se não houvesse mais um limite em que eu termino e a internet começa. Então, estou meio preocupada.
Mas minha obsessão com a internet é realmente um vício? Decidi responder essa pergunta fazendo um teste do Psych Central chamado "Você é Viciado em Internet?". O teste é de múltipla escolha, mas minha relação com a internet é complexa; então, escolhi dar minhas respostas em forma de ensaio. Também escolhi responder esse teste publicamente – não tanto para me responsabilizar por isso, mas por não haver lugar melhor para confrontar os próprios demônios do que a internet com todos os seus viciados (especialmente vocês, babacas dos comentários).
OK. Vamos lá.
1. Com que frequência você descobre que ficou na internet mais tempo do que pretendia?
Gosto de usar meu iPhone no banheiro. Passo horas no banheiro sem fazer xixi. Às vezes, é o meu próprio banheiro. Às vezes, estou no mundo real e peço licença para ir ao banheiro. Sempre digo que são cinco minutos. Nunca são cinco minutos. Eu caio num buraco, e sumir é uma sensação agradável. As pessoas acham que morri. Eu gosto.
Tento definir regras para usar a internet. O ato de definir regras significa que provavelmente sou viciada nisso. Tipo, pessoas que não são viciadas não precisam definir regras sobre as coisas. Elas simplesmente vão lá e fazem.
Minhas regras incluem: dez minutos de meditação antes de ligar o celular ou o computador pela manhã; nada de redes sociais antes do meio-dia; só 120 minutos em sites de redes sociais por dia; apenas dois tuítes por dia, e só depois das 19h; e detox de internet por 24 horas nos finais de semana. Regras que desobedeço diariamente.
2. Você prefere a excitação da internet à intimidade com seu parceiro?
Sim. Claro. A menos que o parceiro seja um estranho virtual em quem projetei toda uma narrativa de fantasia e estamos nos pegando pela primeira vez num quarto de hotel.
"Quando alguma coisa real tem de ser feita, tipo arrumar a cama ou pagar uma conta, sinto como se isso fosse me matar."
3. Você negligencia tarefas domésticas para passar mais tempo online?
Quando alguma coisa real precisa ser feita, tipo arrumar a cama ou pagar uma conta, sinto como se isso fosse me matar. Tipo, sinto que uma mãe cruel e opressora está vindo atrás de mim e que o mundo é feito apenas de tarefas sísificas, em que você tem que empurrar uma pedra morro acima e sempre ser esmagado por ela infinitamente. Uma vez, eu estava lavando calcinhas à mão na pia e entrei no Twitter, aí a pia transbordou. A vizinha de baixo, que tinha acabado de ter um bebê, mandou o zelador do prédio subir. Ele invadiu meu apartamento e eu pensei que ele era um serial killer. Então, sim.
4. O seu trabalho (ou estudo) sofre com a quantidade de tempo que você passa online?
Meu trabalho é online.
5. Você forma novos relacionamentos com pessoas online?
Prefiro estar na internet, me envolvendo com pessoas semi-imaginárias de um jeito falso, do que na vida real, me envolvendo com gente real de um jeito real. Não que tudo na internet seja falso. Criei conexões profundas com pessoas que nunca encontrei pessoalmente (ou talvez eu estivesse me conectando comigo mesma, com meu próprio desejo de quem eu queria ser) através da internet. Às vezes, comparo as pessoas reais da minha vida com as pessoas da internet e sempre penso: por que as pessoas reais não podem ser como as pessoas da internet? Talvez porque as pessoas reais não são pixeladas. Seus erros e chatices não podem ser reaproveitados na fantasia. Eu realmente preciso ver as pessoas reais e ser vista por elas. Se as pessoas nunca se tornam reais, é mais difícil elas te desapontarem. É por isso que a internet é uma boa para pessoas tristes. Você pode estar com pessoas sem ter de estar realmente com pessoas.
6. As pessoas da sua vida reclamam da quantidade de tempo que você passa online?
A pessoa com quem tenho um relacionamento sério chama meu celular de meu "namorado". Ele fica eufórico quando a bateria acaba. Uma vez, ele ameaçou jogar meu celular da janela. Ele se preocupa muito mais com o jeito como uso a internet para deixá-lo de fora do que com qualquer coisa que eu possa fazer sexualmente com outra pessoa. Falo pra ele que não estou deixando-o de fora. Estou deixando a realidade de fora. Infelizmente, ele é real.
7. Você fica na defensiva ou reservada quando alguém pergunta o que você faz online?
É mais o ato de estar online, em si, do que o que eu estou fazendo lá. Todo mundo sabe o que eu estou fazendo lá. Estou tuitando. É mais a coisa do banheiro. Eu falo para a pessoa com quem estou saindo: "Tenho que cagar". E sumo pelo resto da noite.
Na verdade, uma coisa de que tenho vergonha é de gostar de pornô "female friendly". Tipo, eu queria não gostar de pornô "female friendly". Eu queria que, quando eu estivesse assistindo ao Xander Corvus comendo a boceta da "babá" Melanie Rios, eu não pensasse "Meu Deus, ele está tão apaixonado por ela. Tipo, ele devia estar apaixonado por ela todo o tempo em que ela foi a babá dele. Ele sonhava com esse momento e agora está acontecendo, ele definitivamente vai querer ficar com ela para sempre!". Eu queria não ser assim.
8. Você já notou que sua performance ou produtividade no trabalho sofre por causa do tempo que você passa online?
Óbvio.
9. Você confere seu e-mail antes de qualquer coisa que precisa fazer?
Não consigo mais me envolver com o e-mail, isso geralmente exige mais de 140 caracteres. Se mando um e-mail, uso a Siri e dito a mensagem. A internet destruiu minha capacidade de concentração de um jeito que não consigo nem escrever um e-mail. A internet me tirou da coisa do e-mail. O iPhone me tirou do computador. Se o computador é a cocaína, o iPhone é o crack. E eu fumo essas pedrinhas de crack antes, durante e depois de tudo.
10. Você tem um ataque, grita ou age com nervosismo se alguma coisa te incomoda quando você está online?
Geralmente entro num estado comatoso e não tenho mais consciência do mundo ao meu redor. Quando entro no buraco do coelho, não vejo mais você.
11. Você se sente ansiosa esperando o momento em que vai poder ficar online novamente?
Já tive tremedeira.
12. Você bloqueia pensamentos perturbadores sobre a sua vida com pensamentos amenos da internet?
Meu maior medo é morrer. A morte é OK, mas morrer – a incapacidade de respirar, o último ataque de pânico – é uma coisa realmente assustadora. Também tenho medo da vida em si, já que a morte é implícita na vida. Às vezes, a vida parece hiper-real. Tipo, olho para as pessoas e elas parecem robôs, ou como se fossem feitas de borracha, e acho que estou testemunhando a ascensão da matrix, mas provavelmente é só ansiedade. Nesses momentos, penso "Caramba, ninguém realmente sabe o que está acontecendo aqui". Minha terapeuta não ajuda. Ela não sabe explicar o que está acontecendo melhor do que as outras pessoas. Ela não pode me impedir de morrer. A internet também não, mas é um bom lugar para enterrar essa adrenalina. É mais fácil que gente de borracha.
Outra coisa de que tenho medo é de rejeição. Se alguém vai me rejeitar, prefiro que seja eu. Quando um ser humano real me rejeita na vida real ou percebo uma rejeição na vida real, preciso de uma confirmação de que mereço existir neste planeta. E consigo essa confirmação angariando amor falso de estranhos através de um avatar que parece comigo. Essas tentativas de reparar meu eu central, ou a falta de um eu central, sempre resultam numa cascata de tuítes. E imediatamente acompanho isso deletando todos ou a maioria dos tuítes e entrando numa espiral de vergonha.
13. Você acha que a vida sem internet seria chata, vazia e sem prazer?
Não, acho que seria linda. Eu me imagino numa praia rochosa, segurando algo verde. Provavelmente uma alga marinha, mas talvez seja musgo. Bebo muito chá de camomila. Eu "apareço" por mim mesma. É, seria vazia.
14. Você se vê dizendo "Só mais alguns minutos" quando está online?
Se tem uma coisa de que eu não gosto, é o tempo linear. A internet me faz sentir que posso manipular o tempo. Mas não posso; então, digo "Mais cinco minutos" e caio num vórtex. Tenho apagões.
15. Você se preocupa com a internet quando está offline ou fantasia sobre estar online?
Óbvio.
"Acho que a internet reproduz o sol."
16. Você perde o sono por ficar online até tarde da noite?
Hoje, acordei às 3 da manhã e entrei na internet. Agora são 6h30. Fiz isso toda noite nesta semana, menos na segunda, quando não dormi nada. Acho que a internet reproduz o sol. Talvez gente gótica, emo ou altamente sensível não devesse estar na internet. Estamos fadados a definhar.
17. Você tenta esconder o tempo que fica online?
Quando ainda bebia, eu costumava aparecer nos bares, já bêbada, e pedir logo uma bebida. Eu fingia que o primeiro drinque no bar tinha me deixado bêbada. Minha conta no Twitter, So Sad Today, é anônima, porque tenho vergonha do quanto tuíto. Acho que há uma ligação aí.
18. Você escolhe ficar mais tempo online em vez de sair com outras pessoas?
A internet significa que estou com pessoas sem precisar sair de casa. Além disso, posso ser quem eu quiser. Tipo, posso ser um mago fantástico na internet, mas na vida real estou aqui, comendo lasanha do Vigilantes do Peso e usando um short com estampa de trompetes.
19. Você já tentou cortar o tempo que passa online e fracassou?
Todo dia.
20. Você se sente deprimida, de mau humor ou nervosa quando está offline, o que acaba quando você volta a ficar online?
Na verdade, muitas vezes é a internet que me deixa deprimida, de mau humor e nervosa. Tipo, entro lá e, dois segundos depois, penso "Foda-se tudo". Mas a vida real consegue ser ainda pior.
Mesmo quando a internet é um saco, ela possui um potencial infinito. Eu sei que determinado site está uma merda hoje, porque estava uma merda um segundo atrás, mas continuo recarregando a página. Eventualmente isso muda. Mas a vida não é assim. Quando você fica clicando em recarregar na mesma coisa na vida real, você só consegue a mesma coisa. Cometer os mesmos erros + esperar resultados diferentes = merda.
Na verdade, talvez isso não seja inteiramente verdade. Há algo de espiritual em coisas repetitivas, mantras, rosários, Ave Maria – ou como o Prince disse: prazer na repetição. O problema com o vício é que o prazer da repetição dá lugar a uma combinação de prazer e problemas. Depois, só há problemas mesmo.
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Acho que o alcance que a internet tem em mim tem algo a ver com luz e vazio. A luz e o vazio são sensuais e me fazem sentir que qualquer coisa é possível. Eu sei que a vida tem o mesmo potencial infinito que a internet. Mas, infelizmente, sou obrigada a ser uma adulta na vida real. Na internet, eu ainda tenho 16 anos.
Além disso, eu me saio bem na internet. Se o Twitter é um videogame, eu já terminei o jogo. Nem sempre me saio bem na vida real. Ainda não superei o fato de que vou morrer um dia. Qual é o cheat code da vida?
Não me vejo trilhando o caminho do meio na internet. Provavelmente isso vai ter que ser tudo ou nada. Redução de danos nunca deu certo para mim. Quando um pepino vira picles, não dá para transformá-lo de volta num pepino. E a internet me transformou num picles há muito tempo.

 

Fotos Chocantes Supostamente Mostram o Estado Islâmico Jogando Gays de um Prédio

janeiro 22, 2015
Por Equipe VICE News 

O Estado Islâmico liberou fotos que supostamente mostram militantes jogando homens gays do topo de um prédio em Mossul, Iraque.
Outras fotos mostram homens supostamente acusados de roubo sendo crucificados em praça pública.
A montagem também inclui fotos de militantes apedrejando uma mulher até a morte.
As imagens teriam sido tiradas de um vídeo do Estado Islâmico, que não está incluído no site onde as fotos foram postadas. O site declara que foi criado em 15 de janeiro por uma organização chamada "Centro de Mídia da Província Ninawa" e ostenta o logo e a bandeira do Estado Islâmico.
O primeiro still mostra uma multidão reunida numa praça num dia nublado. A imagem foi feita do topo de um prédio que parece ter sete ou oito andares. A legenda diz "Muçulmanos assistem à aplicação da lei".
A próxima foto mostra um homem prestes a ser jogado do prédio por dois oficiais do Estado Islâmico, aparentemente.
O texto no pé da imagem se refere aos prisioneiros como "pessoas de Ló", se referindo aos habitantes das cidades bíblicas de Ló, Sodoma e Gomorra, cuja população é punida por Deus no Velho Testamento por seus atos sexuais divergentes.
Alguns muçulmanos acreditam que Maomé disse que a homossexualidade deve ser punida com a morte.
A próxima foto é apavorante e mostra o homem em pleno ar, caindo do prédio, com outro corpo no concreto abaixo dele.
A próxima foto é de dois corpos na calçada em frente ao prédio, com uma poça de sangue próxima.
A foto seguinte mostra um oficial do Estado Islâmico lendo o que parece ser as acusações contra aqueles que enfrentam a execução. Um cartaz pendurado no prédio parece mostrar punições por desobedecer a lei.
Dois homens vendados estão amarrados com os braços abertos na caçamba de um caminhão. Um dos homens está com o dedo indicador levantado, um símbolo frequentemente usado por combatentes do Estado Islâmico para indicar sua crença em Deus.
Depois os prisioneiros são mostrados numa praça pública. Combatentes mascarados do Estado Islâmico atiram com pistolas automáticas nas cabeças dos homens, por trás.
Um dos executados parece estar usando botas de combate, o outro, sapatos. Os dois têm barba em estilo conservador, sugerindo talvez que eram membros do Estado Islâmico que se desviaram. Os dois homens jogados do prédio estavam descalços e não pareciam ter barba.
A próxima montagem parece vir de outro dia e local, mostrando uma mulher de nicabe preto, ou cobertura completa islâmica, numa área arborizada ensolarada. Um homem perto dela segura uma bandeira do Estado Islâmico, enquanto o que parece ser um oficial do EI lê um papel. Uma fileira de pedras pode ser vista à esquerda da imagem.
A próxima foto parece ter sido tirada algum tempo depois, com o corpo já sem vida da mulher encolhido em posição fetal entre pilhas de pedras e suas meias vermelhas aparecendo por debaixo do nicabe sujo de terra. Um homem está em cima dela, jogando a pedra final.
A última foto mostra o corpo dela coberto com uma lona azul.
O Estado Islâmico vem executado milhares de pessoas, incluindo jornalistas ocidentais, trabalhadores humanitários, soldados iraquianos e sírios, e outros combatentes sírios de oposição, muitos por decapitação. O grupo busca impor sua interpretação puritana do Islã em áreas sob seu controle, que incluem grandes partes da Síria e do Iraque. O grupo continua a expandir seu território na Síria, mas seu avanço no Iraque foi interrompido por ataques aéreos comandados pelos EUA.
A divulgação dessas imagens coincide com a liberação de um novo vídeo pelo Estado Islâmico, onde combatentes, falando em francês, ameaçam atacar a Europa e os EUA.
Um dos homens pede que simpatizantes realizem ataques ao redor do mundo. "Façam o que puderem. Matem, queimem os carros deles, queimem as casas deles", ele diz.
O exército norte-americano disse na quinta-feira passada que 400 de suas tropas serão mobilizadas para o Oriente Médio, para treinar forças de oposição "moderadas" sírias como parte do esforço contra o Estado Islâmico.
Tradução: Marina Schnoor

Por Dentro de Uma Gangue de Motociclistas Cheia de Ex-Nazistas

Os Clubes Armados Revolucionários que Patrulham os Bairros Negros de Dallas

janeiro 19, 2015


Num dia quente de outono em South Dallas, dez revolucionários usando kaffiyehs e máscaras de esqui marcham pelo perímetro do Parque Dr. Martin Luther King Jr., gritando "Chega de porcos na nossa comunidade!". A disciplina militar está em pleno vigor. Os corredores respondem a dois ex-rangers do exército de chapéus de abas largas camuflados para o deserto com "Sim, senhor!". O Huey P. Newton Gun Club realiza aulas de treinamento físico e autodefesa todo sábado. Homens com camisetas do Che correm com pesos e rolam pela grama, lutando um com o outro com facões cegos. "Eu costumava saudar a bandeira!", cantam os cadetes. "Agora a uso de pano de chão!"
"Uma faca muda todo o jogo", explica um dos sargentos de exercício, que responde pelo nome de Chief, demonstrando como fazer uma manobra de corte e perfuração no torso de uma garota de 20 anos de olhos grandes. Um mendigo passa na rua. Ele vem pedir uns trocados, mas fica interessado. "O que é isso? Autodefesa? Legal." Um grupo de motoqueiros negros levanta os punhos fechados quando passa pela praça.

Charles Goodson, o cofundador vegan de dreadlocks de 31 anos do clube, cresceu a menos de um quilômetro daqui. Ele e Darren X, o marechal nacional do Partido dos Novos Panteras Negras, vêm se organizando ao redor de questões de violência policial em Dallas na última década. Goodson diz que eles trabalharam juntos pela primeira vez ano passado, durante um comício armado numa cidadezinha do Texas chamada Hemphill, onde eles protestaram contra o fracasso da polícia ao investigar o assassinato de um homem negro chamado Alfred Wright. Os Novos Panteras Negras de Dallas andam armados há anos. Tentando engrenar os esforços da organização, eles formaram o Huey P. Newton Gun Club, unindo cinco organizações paramilitares negras e pardas sob uma só bandeira. "Aceitamos todas as pessoas oprimidas de cor que tenham armas", me diz Darren X, 48 anos, numa voz grossa de barítono. "A agenda envolve ir até nossas comunidades e educar nosso povo sobre as leis de posse de arma federais, estaduais e locais. Queremos parar o fratricídio, o genocídio – todos os 'cídios'."







Os membros do Huey P. Newton Gun Club marcham no bairro Dixon Circle em Dallas. Todas as fotos por
Bobby Scheidemann.
Em agosto passado, o clube realizou sua primeira patrulha abertamente armada por Dixon Circle, um bairro predominantemente afro-americano em Dallas, onde a polícia matou um jovem negro desarmado chamado James Harper em 2012. Cerca de suas semanas antes do comício, um policial branco de Ferguson, Missouri, matou Michael Brown, um adolescente negro desarmado, e em julho, um policial branco matou Eric Garner, um pai de família de Staten Island, com um mata-leão, alegando que ele estava vendendo cigarros não taxados. Em Dallas, vários outros militantes negros cercam um oficial de campo, segurando fuzis e AR-15s. "Isso é perfeitamente legal!", berrou o líder. Gritos de "Justiça para Michael Brown! Justiça para Eric Garner!" vieram da formação. "Não vamos mais permitir que porcos matem nossos irmãos e irmãs e não fazer nada", o líder respondeu. "Poder negro! Poder negro! Poder negro! Poder negro!"
Desde então, diz Goodson, doações para o clube vem surgindo de todo o país e o número de membros dobrou. Apoio tem vindo de fontes improváveis, como Russell Wilson, um chefe de escritório da procuradoria do distrito de Dallas. "Eles têm o direito de fazer isso", ele me disse. Ele acredita que os membros do clube estão "restaurando a confiança das pessoas e dizendo 'Não vamos continuar sendo manipulados aqui!'".
No parque, pergunto a Goodson o que ele acha que aconteceria se um grupo de autodefesa de negros armados aparecesse em Ferguson. Enquanto conversamos, um sargento atrás dele ordena que dois membros do grupo lutem por suas vidas. "Acho que isso acordaria os EUA."


Membros do Huey P. Newton Gun Club marcham pelo bairro Dixon Circle em Dallas.
Casos de civis mortos por policiais nos EUA atingiram um pico em 20 anos em 2013, apesar da incidência de crimes violentos no país ter caído no geral. De acordo com estatísticas do FBI, a polícia norte-americana matou 1.688 pessoas entre 2010 e 2013. O número de negros e pardos mortos pela polícia provavelmente é muito maior, mas faltam dados para saber exatamente quantas pessoas foram mortas. Poucos dos 12 mil departamentos de polícia e de xerife dos EUA reportam tiroteios envolvendo policiais. Mas com base nos dados coletados, de acordo com um estudo da ProPublica, jovens negros têm 21 vezes mais chance de serem mortos pela polícia do que jovens brancos.
"O que vimos em Ferguson é só a ponta do iceberg", a presidente da National Bar Association, Pamela Meanes, disse ao Dallas TV em agosto, pedindo que o Departamento de Justiça investigasse departamentos de polícia em 25 cidades, incluindo Dallas. Recentemente, autoridades federais dos EUA caíram pesado sobre os departamentos de polícia de Albuquerque e Cleveland pelo uso desnecessário de tasers, usados em suspeitos já algemados; pelo uso de força excessiva contra deficientes mentais, e por sacar e atirar em suspeitos que não representavam perigo.
David Brown, o chefe de polícia afro-americano de Dallas, disse que vai rever o uso da força pelo departamento, e tem criticado abertamente o departamento de polícia de Ferguson depois da morte de Michael Brown. (O próprio filho de David Brown, David Brown Jr., foi morto pela polícia depois de atirar num policial em 2010.) Apesar de Brown estar tentando fazer reformas durante seu mandato, o Departamento de Polícia de Dallas tem um desempenho péssimo. Os policiais da cidade balearam pelo menos 185 pessoas desde 2002. Setenta e quatro por cento dos tiros fatais foi contra negros e hispânicos, de acordo com o relatório "A History of Violence", compilado através de pedidos de abertura de registros pelo grupo Dallas Communities Organizing for Change. A polícia de Dallas baleou 14 pessoas apenas em 2014, entre elas Jason Harrison, um doente mental de 38 anos que foi morto por policiais depois de supostamente ameaçá-los com uma chave de fenda. O irmão de Harrison teve que limpar o sangue dos degraus da frente de sua casa com um rodo depois do incidente. A família entrou com uma ação contra a cidade por morte ilícita em outubro.


Membros do Huey P. Newton Gun Club marcham pelo bairro Dixon Circle em Dallas.
Quando David Brown e Craig Watkins, procurador do distrito de Dallas que está deixando o cargo e que também é negro, realizaram uma série de reuniões na prefeitura depois da morte de Michael Brown, eles se depararam com histórias sobre perfilamento racial, gritos de "eles estão matando homens inocentes" e mães enlutadas tentando conseguir cópias de vídeos da polícia. Se Dallas, com sua equipe diversa e planos de unidade de direitos civis, não consegue impedir a morte de homens negros e pardos, não é de se admirar que soluções mais radicais, como o Huey P. Newton Gun Club, estejam ganhando impulso.
Dallas ganhou o apelido de "Cidade do Ódio" depois do assassinato de John F. Kennedy em Dealey Plaza em 1963. Mas onze meses antes, Martin Luther King Jr. foi aterrorizado pela mistura convulsiva de brancos cheios de ódio, anticomunistas e membros da John Birch Society. Seu discurso sobre segregação e o sonho americano no Music Hall do Fair Park, em janeiro daquele ano, foi acompanhado por ameaças de bomba e grandes protestos. De acordo com The Accommodation: The Politics of Race in an American City, um livro sobre a história das relações de raça em Dallas escrito por Jim Schutze, na década de 50 e 60, a liderança e o clero negro se aliaram à elite empresarial branca para manter o movimento de direitos civis fora da cidade. "Não há movimento em Dallas", disse o veterano texano dos direitos civis reverendo Peter Johnson. "Jackson tem um movimento, Biloxi tem um movimento, Selma, Birmingham, Louisiana. Texas era o único estado sem movimento pelos direitos civis." King foi rejeitado e boicotado pelos líderes do clero negro em Dallas por causa de uma disputa dentro da Igreja Batista envolvendo seu pai. "Havia um sentimento ruim entre os ministros e MLK Sr.", Schutze me disse quando nos encontramos em sua casa em Old East Dallas. "Quando MLK Jr. veio com a Conferência da Liderança Cristã Sulista, ele foi recebido muito mal." As relações de raça em Dallas permaneceram estagnadas pelo menos até os anos 80. "Chamamos isso de túnel do tempo", disse Schutze. "Dallas sempre esteve uns 20 anos atrás do resto do país. Você vê que isso não aconteceu realmente – o despertar – negros e brancos se encarando olho no olho. Vim de Detroit e aqui, no final dos anos 70 e nos anos 80, era bizarro, como uma propaganda dos anos 50 de frango frito do Coronel Sanders."
Em 1984, Dallas foi a sede da convenção de reeleição de Reagan – uma ideia arriscada, dada a história da cidade, mas a cidade foi "a estrela do universo republicano", de acordo com Schutze, que esteve lá. "O tom era 'Esta é a cidade que nunca cometeu o mesmo erro do resto do país'", disse Schutze. "Eles nunca deram o braço a torcer. Deus favorece Dallas porque Dallas tem feito tudo certo. Particularmente nas questões raciais."

Uma participante da marcha de outubro em Dixon Circle.
O Huey P. Newton Gun Club foi formado parcialmente em resposta a um grupo de defesa do porte de arma chamado Open Carry Texas. O Texas é um dos seis estados dos EUA que ainda proíbem o porte aberto de pistolas, mas que permite o porte de fuzis e espingardas. O Open Carry Texas ganhou atenção no país em maio do ano passado, depois que fotos de "caminhadas de porte aberto" se tornaram virais: grupos de caras brancos desengonçados carregando AK-47s em restaurantes, lojas e cafés forneceram uma oportunidade conveniente para os liberais do norte zombarem da cultura de armas do Texas. Ainda assim, o movimento atraiu tanta atenção e apoio que o Open Carry Texas provavelmente vai conseguir seu objetivo: fazer que o estado aprove uma nova lei este ano acrescentando pistolas à lista de armas que os cidadãos podem carregar legalmente.
Surfando nessa onda de entusiasmo, o Open Carry Texas anunciou em julho que faria uma caminhada por Fifth Ward, Houston, um bairro predominantemente negro onde o grupo de rap Geto Boys nasceu. "A comunidade negra tem tido a bunda chutada há algum tempo", David Amad, um líder branco do Open Carry Houston, disse a um canal local. "Vamos até lá e ajudar com isso, colocar um fim nisso." C.J. Grisham, presidente do Open Carry Texas, se comparou então a Rosa Parks, dizendo a outro jornal que um grupo pesadamente armado devia caminhar num bairro negro porque "alguém precisa agir e sentar na frente do ônibus".
Líderes comunitários de Fifth Ward e o Partido dos Novos Panteras Negras de Houston, liderado pelo carismático Quanell X, não ficaram impressionados com a oferta de assistência do grupo. O Partido dos Novos Panteras Negras virou notícia nos últimos anos por colocar uma recompensa pela cabeça de George Zimmerman e intimidar eleitores na Filadélfia, onde eles apoiavam Obama e um membro supostamente teria brandido um cassetete gritando "Vocês vão ser governados por um negro, branquelo!". (O Departamento de Justiça arquivou o processo.) Recentemente, o grupo foi ridicularizado – principalmente pela Fox News – como agitadores de fora atuando em Ferguson. Desde que Darren Wilson, o policial que atirou em Michael Brown, escapou de ser indiciado, dois novos panteras negras de Ferguson foram levados ao tribunal por porte de arma, apesar de meios de comunicação de direita dizerem que eles planejavam explodir o Gateway Arch e assassinar o chefe de polícia de Ferguson. A liderança sobrevivente do Partido dos Panteras Negras original repudia o movimento por sua retórica inflamatória e antissemita. Bobby Seale, um fundador original, me disse que desconfiava que a nova encarnação do grupo era uma organização de fachada financiada pela direita, "talvez pelos Irmãos Koch". Mas apesar da reputação ruim do Novo Partido dos Panteras Negras, em Dallas seus membros são revolucionários atenciosos e profissionais. Eles têm uma plataforma, uma ideologia, trabalham como barbeiros e eletricistas, e falam sério sobre política e a importância de estar armado. "O que você vê na mídia se relaciona a eles num nível nacional, mas a organização é muito diferente num nível local", me diz Goodson. Darren X diz que seu partido está tentando se afastar da retórica inflamada de seus líderes e "fazer a transição de poder negro para poder para todas as pessoas".

Darren X, oficial de campo do Partido dos Novos Panteras Negras.
Dias depois da morte de Michael Brown em agosto, os Novos Panteras Negras de Houston, líderes da comunidade e membros do Open Carry Texas se sentaram numa mesa de montar em frente a uma farmácia Walgreens para tentar discutir a marcha proposta para Fifth Ward. Quinze policiais de Houston, além de um grupo dos Novos Panteras Negras carregando fuzis, vigiavam o encontro. A liderança branca de meia idade do Open Carry tinha chegado desarmada e parecia confusa. O tom dos líderes do bairro era abertamente hostil.
"Vocês estão entrando em Fifth Ward, na comunidade negra, como uma insurgência", disse Krystal Muhammad, dos Novos Panteras Negras.
"Desculpe?", respondeu David Amad, do Houston Open Carry.
"Vocês são uma insurgência", repetiu Muhammad.
"Me deixe dizer, só para deixar registrado, que não queremos vocês aqui", disse Kathy Blueford-Daniels, presidente de bairro de Fifth Ward.
"Vocês se importam com como as pessoas que vivem aqui se sentem?", Quanell X perguntou ao fundador do Open Carry Texas, C. J. Grisham.
"Com certeza", disse Grisham.
"Se vocês estão vindo ajudar, não nos digam como vão nos ajudar", disse Quanell X. "Pergunte se queremos ajuda."
A negociação logo virou uma gritaria, e a polícia de Houston interveio para impedir uma briga. Quanell X disse ao Open Carry que se eles marchassem, seriam correspondidos "arma contra arma". No fim da reunião, Grisham deu uma entrevista para um canal de TV local. "Ainda não entendo por que temos que ter uma divisão racial", ele disse. "Não entendo por que isso tem que ser uma questão racial."

Darren X e sua carabina Hi-Point.
No final da história, o grupo adiou indefinidamente sua caminhada por Fifth Ward. "Era para ser Fifth Ward com o Open Carry Texas, não o Open Carry Texas em Fifth Ward", disse o porta-voz do Open Carry Tov Henderson, quando o encontrei num estacionamento de um Home Depot em Lake Worth, um subúrbio de Dallas. Henderson, 35 anos, parecia um personagem rockabilly de um filme do David Lynch, carregando três pistolas ocultas e um revólver de pólvora da era dos Confederados preso à perna. "Queríamos ficar do lado dos afro-americanos e dizer: 'Ei, vocês têm direitos – é hora de tomá-los. Armas de fogo nos tornam iguais diante dos nossos agressores".
Mas a tentativa do Open Carry Texas de trazer os residentes de Fifth Ward para seu lado fracassou, assim como as tentativas do NRA (Associação Nacional de Rifles da América) em diversificar. "Vimos isso como um movimento de intimidação – não como pessoas expressando seus direitos pela Segunda Emenda", diz Darren X. "Eles têm outros lugares para fazer isso em vez de uma comunidade negra. A comunidade negra já é cheia de armas. Já sabemos nossos direitos quando se trata de armas." As preocupações enfrentadas por donos de armas negros são fundamentalmente diferentes das enfrentadas por donos de armas brancos, e não é difícil imaginar que os ancestrais dos brancos envolvidos com o direito de porte de armas foram, em algum momento, fundamentais para manter os negros desarmados e complacentes. Goodson espera que o Huey P. Newton Gun Club continue crescendo e eventualmente se torne uma organização mainstream pelo porte de armas, "a alternativa negra ao NRA".


Um cartaz dos Panteras Negras mostrando Huey P. Newton. Foto por Blair Stapp, por volta de 1967.
Da era colonial norte-americana até pelo menos o fim dos anos 60, o medo de uma população negra armada era uma das principais forças por trás da legislação de controle de armas. Em seu comentário de 2010 sobre o caso McDonald v. Chicago – em que o tribunal considerou que a Segunda Emenda se aplica aos Estados, depois que um idoso negro desafiou a proibição de porte de pistolas em Chicago – Justice Clarence Thomas escreveu sobre as consequências da rebelião de escravos de Nat Turner de 1831 na Virgínia. "O medo gerado por essas e outras rebeliões levou os legisladores do sul a tomar ações particularmente cruéis contra os direitos de negros libertos e escravos de se expressarem ou manter armas para a própria defesa." De 1842 a 1850, o Texas proibiu explicitamente que negros possuíssem armas de fogo. Depois da Guerra Civil, temendo uma reação de veteranos e escravos libertos, o Texas e outros estados sulistas aprovaram uma série de leis repressivas conhecidas como Black Codes, novamente limitando o direito de cidadãos negros de portar armas. A marcha armada dos Panteras Negras na Califórnia em 1967 – comandada por Huey Newton e Bobby Seale – ajudou Ronald Reagan a conseguir os votos para proibir o porte aberto de armas no Estado. E o Gun Control Act de 1968 foi aprovado parcialmente em resposta aos tiroteios e turbulência racial que engolfaram cidades norte-americanas depois do assassinato de Martin Luther King Jr. em Memphis.
As sementes do que se tornaria o Partido dos Panteras Negras surgiram nos anos 40, quando veteranos negros voltaram ao Sul depois da Segunda Guerra Mundial e se viram desumanizados pela segregação. Antes e durante a era em que a Conferência de Liderança Cristã Sulista, o Comitê Coordenador Estudantil Não-Violento e King cutucaram a consciência cristã dos EUA, eram as armas que deixavam os racistas brancos à margem, particularmente no Sul. A famosa avó "não violenta" do movimento pelos direitos civis no Mississippi, Fannie Lou Hamer, dizia: "Tenho uma espingarda em cada canto do meu quarto, o primeiro branquelo que parecer que quer jogar dinamite na minha varanda nunca mais vai escrever para a mãe". Os Pantera Negras originais se inspiraram particularmente nos exemplos de Robert F. Williams, presidente de um ramo renegado da NAACP (Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor) e autor do livro Negroes with Guns. Depois da Segunda Guerra Mundial, William retornou para sua cidade natal, Monroe, na Carolina do Norte, e tomou o controle do ramo dormente da NAACP local. Indo contra a liderança nacional moderada, o ramo de Monroe praticava autodefesa armada. O NAACP Monroe pegou em armas depois que a Ku Klux Klan tentou arrastar o corpo de um negro de uma funerária. O homem tinha recebido a injeção letal em Raleigh por supostamente matar seu senhorio branco, mas o KKK não achava que a execução era suficiente. Um grupo de 40 negros com rifles, incluindo Williams, guardou o corpo. "Foi um dos primeiros incidentes que nos fez perceber a que tínhamos que resistir", escreveu Williams, "e que aquela resistência poderia ser eficiente se resistíssemos em grupo".

Tina González do Partido de Libertação dos Povos Indígenas.
Em Negroes with Guns, Williams conta como se viu no meio de uma multidão branca violenta, durante uma campanha em 1961 para permitir que negros usassem a piscina pública da cidade um dia por semana:
Havia um homem muito velho, um velho branco no meio da multidão, e ele começou a gritar e a chorar como um bebê, dizendo: "Que maldito país é esse onde crioulos podem ter armas? Os negros estão armados e a polícia não pode nem prendê-los!" Ele continuou chorando até que alguém o tirou do meio da multidão.
Depois de ser repetidamente atacado e aterrorizado pelo KKK, a polícia e grupos de brancos, Williams concluía: "As autoridades de Monroe e da Carolina do Norte só agiam para restaurar a ordem depois, e como resultado direto, de estarmos armados".
Williams, claro, teve que lidar com o dilema da supremacia branca: suplicar à moralidade branca ou resistir abertamente. Se armando, Williams colocou a si e à sua comunidade em perigo considerável, mas se eles não tivessem se defendido, poderiam ter sido mortos. Williams, como Assata Shakur, escapou do destino de morrer na cadeia que acaba caindo sobre muitos revolucionários negros. Ele se exilou em Cuba e tinha uma cópia do ensaio "A Plea For Captain John Brown", de Thoreau, com ele o tempo todo. Nele, o pai fundador do movimento de desobediência civil não violento vociferava na defesa dos militantes abolicionistas, que travaram uma insurreição armada fracassada contra a escravidão. Thoreau escreveu: "Acho que os rifles e os revólveres foram empregados numa causa justa. As ferramentas estavam nas mãos daqueles que podiam usá-las".

Darren X e Charles Goodson.
"Estamos tentando expor a contradição", um homem de aparência frágil, que atende pelo nome Chairman, me diz enquanto tira fuzis da caçamba de um carro. Estamos num estacionamento de uma loja de penhores em South Dallas, numa manhã bonita de outubro. O Huey P. Newton Gun Club está prestes a realizar mais uma patrulha armada por Dixon Circle. Depois disso, o grupo vai entregar o relatório do Dallas Communities Organizing for Change sobre violência policial ao escritório da procuradoria federal, no centro da cidade. Enquanto os membros se reúnem e penduram suas armas no ombro, um helicóptero da polícia circula preguiçosamente acima. O clima é tenso. "Quando você vai contra o estado, você tem que se manter focado", murmura Chairman.
Ele parece preocupado com o pequeno comparecimento. Apenas uma dúzia de membros já chegou – oito armados, alguns bem velhos. A AK-47 de Goodson parece ter sido usada pela última vez na Guerra do Afeganistão de 1979. Em contraste, a AR-15 de Darren X é nova em folha. "Sabemos que nossas armas insignificantes não seriam nada para a polícia de Dallas", diz Goodson, "mas o que eles temem é nos ver armados". A maioria dos participantes está de preto e tem dreadlocks, usando os broches icônicos dos Pantera Negras. Stu, o solitário homem branco, está usando uma camisa de botão e uma calça cáqui engomada.
Enquanto a marcha armada enche o estacionamento, uma mulher estaciona um PT Cruiser para falar com Darren X. "Preciso te ligar se algo acontecer comigo. Ninguém me ajuda aqui em Dalas – a polícia não me ajuda. Qual seu número?" Darren dá seu celular a ela e o grupo começa a marchar.
"Quem somos? Huey P!", canta a milícia, passando entre as calçadas amplas e brancas do bairro, seguida a certa distância por um carro não identificado da polícia. Eles são recebidos em Dixon Circle como heróis de guerrilha descendo das montanhas. Homens parados em frente a bares e pontos de jogo gritam "Poder negro, baby!" e levantam os punhos. Motoristas passam buzinando e param para tirar fotos.
Adolescentes e crianças espiam impressionadas através dos portões dos prédios. Uma mulher de 40 anos chamada Dorothy, corre para fora de um bar com um cigarro pendurado na boca e se junta ao grupo. Quando pergunto por que ela decidiu vir, ela diz: "Porque eles estão marchando pelos negros, pelo poder negro e por razões reais".

O clube Huey P. marcha no centro de Dallas.
No final de uma rua, o grupo encontra um grupo de caras enlameados bebendo alguma coisa de sacos de papel marrom.
"Se juntem a nós, irmãos!", um dos sargentos pede. "Vamos, precisamos de pessoas do bairro."
"Certo!", diz um dos homens, bebendo de uma lata mas não fazendo nenhuma tentativa de se mexer.
O clube para e espera.
"Andem com a gente até a igreja!", grita Dorothy. "Precisamos de vocês!"
"Certo!", o cara grita de volta. Mas eles não se mexem e a marcha continua.
Num lote do outro lado da rua onde James Harper foi morto pela polícia em 2012, o grupo finalmente consegue atrair um morador local. "Esse irmão mora aqui. Esse é o bairro dele. Venha aqui e tire uma foto com a gente, irmão", um dos sargentos diz. O cara, um magricelo de uns 40 anos, se abaixa num joelho e os membros do grupo fazem pose em volta dele, segurando suas AK-47s e fazendo cara de durões. Um casal de adolescentes estaciona seu carro e fica observando, devorando as armas com os olhos. "Respeito", eles dizem, antes de partir.
No centro de Dallas, membros do Partido de Libertação dos Povos Indígenas – jovens comunistas latinos de uniforme verde-oliva e boinas, carregando rifles que parecem da época em que Fidel desembarcou do Granma – se juntam à marcha. Um membro do PLPI carrega seu rifle de cabeça para baixo e outro deixa sua arma balançar em suas costas e acertar o rosto de outro membro que vem atrás.
Enquanto acompanho o Huey P., o clima é tão descontraído, a resposta da polícia é tão plácida, que isso me embala numa falsa sensação de segurança – mas aí a imagem volta a entrar em foco, e fica claro quão tênue e possivelmente explosiva é essa situação. Ninguém realmente sabe o que fazer sobre as disparidades raciais e a violência policial. No final das contas, mesmo agora que os EUA têm outro "diálogo nacional" franco sobre raça, com artigos de opinião e estatísticas, a onda de sangue jovem negro continua fluindo. Todo esse treinamento para o uso da força, aconselhamento psicológico e esforços contra a discriminação racial não parecem estancar o problema. Ter câmeras presas ao uniforme dos policiais parece uma boa ideia – mas o vídeo infame da morte de Eric Garner mostra que mesmo com evidências conclusivas, um policial pode matar um homem negro por praticamente nada e escapar das consequências. "Não consigo respirar", Garner disse 11 vezes antes de morrer. Depois desses fracassos, e considerando a habilidade da polícia militarizada em esmagar qualquer insurreição pública, se armar pode ser um ato fútil, mas é uma resposta parcial – e muito americana – há séculos de humilhação psicológica.

Andrew, um pantera negra original, cumprimenta o clube Huey P.
No prédio federal Earle Cabell, Goodson, Stu e Chairman deixam suas armas na porta e entram para entregar o relatório "History of Violence". No quarto andar, Goodson diz à recepcionista atrás de uma proteção de vidro que tem hora marcada. Ela não sabe do que ele está falando e liga para a gerente do escritório. Goodson parece desconfortável e constrangido – dois caras de meia idade de terno estão parados num canto, olhando e rindo.
A gerente de meia idade chega para encontrá-lo, parecendo confusa e irritada. Goodson diz: "Nossa posição hoje é que queremos que o Departamento de Justiça saiba sobre essa questão em particular. Esse relatório lida com o uso excessivo de força no que se relaciona ao Departamento de Polícia de Dallas".
Ela não sabe de nenhum relatório ou hora marcada e diz que eles não têm nada pendente. "Se você acredita ser um requerente de algum tipo de ação, você pode se registrar aqui. Mas qualquer relatório que você nos entregar vai ficar parado numa gaveta na sala do fundo. Nos dar um relatório só vai ser um desperdício do seu papel."
Indo e voltando, eles eventualmente se comprometem, com Goodson pegando um cartão de visitas dizendo que eles conversaram e que ela recebeu o relatório, que provavelmente vai parar numa gaveta onde nunca mais será visto. "Boa sorte com sua ação de cidadão", ela diz, apertando oficialmente a mão de Goodson.
Lá fora, sob o sol de Dallas, Darren X anda até o grupo e pergunta "Como foi?". Goodson limpa a garganta e diz que o relatório foi entregue com sucesso.
Partindo do prédio federal, a marcha pausa para tirar uma foto em frente a uma grande fonte pública. Eles parecem um pouco desanimados. Um homem de meia idade passa, vê o grupo e dá meia volta para cumprimentá-los. Ele se apresenta como Andrew, um pantera negra original. "É a primeira vez que vejo pessoas armadas – achei que era um grupo militar ou algo assim", ele diz. "Mas aí ouvi eles dizerem Huey Newton, e foi por isso que parei. Pensei: 'Uau...' Isso me faz saber que alguma coisa está mudando hoje em dia."
Tradução: Marina Schnoor

 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

JULGAMENTO DO SILK ROAD

O Que Esperar do Julgamento do Silk Road

by Kari Paul
 
Após ter passado o último ano em uma penitenciária federal no Brooklyn, Ross Ulbricht finalmente está em julgamento em Nova York desde a última terça-feira (13), onde promotores tentam provar que ele é o cérebro por trás do comércio online de narcóticos de bilhões de dólares conhecido como Silk Road.

Agentes do FBI prenderam Ulbricht, agora com 30 anos de idade, na seção de ficção científica de uma biblioteca pública de San Francisco em outubro de 2013, sob a acusação de criar e operar o site ilegal sob o pseudônimo Dread Pirate Roberts.

“O Silk Road surgiu como o comércio criminoso mais sofisticado e extenso da internet”, disse o governo em documentos à corte após a prisão de Ulbricht. “O site era usado por milhares de traficantes e demais comerciantes foras-da-lei para distribuição de centenas de quilos de drogas ilegais e demais bens e serviços ilícitos para mais de 100.000 compradores espalhados pelo mundo.”
Ulbricht, um texano educado e de tendências libertárias, vai a julgamento sob acusações de tráfico de narcóticos, distribuição de narcóticos por meio da internet, conspiração para tráfico de narcóticos, atividade criminal contínua, conspiração para cometer e auxiliar e incitar invasão de computadores, conspiração para tráfico de documentos de identificação fraudulentos, e conspiração para lavagem de dinheiro. Ele está diante de uma possível pena de prisão perpétua.

ULBRICHT TAMBÉM É ACUSADO COMO MANDANTE DO ASSASSINATO DE DIVERSAS PESSOAS

Ulbricht também é acusado como mandante do assassinato de diversas pessoas que acreditara terem ameaçado o Silk Road. Estas acusações não serão inclusas diretamente no caso, mas poderão ser usadas como evidência para as acusações de conspiração, de acordo com a Wired.

Seu advogado, Joshua Dratel, tem um histórico de defesa em casos complicados, incluindo aí a defesa de um prisioneiro de Guantánamo e um associado da al-Qaeda.

Para conseguir uma condenação, a acusação terá que provar que Dread Pirate Roberts era o responsável pelo Silk Road e que Ulbricht era esta pessoa. O governo juntou um sem-fim de evidências para tanto, uma lista que foi liberada inadvertidamente pela corte e publicada pelo the Daily Dot.

Quando Ulbritcht foi pego na biblioteca, seu notebook continuou aberto e conectado a uma página administrativa do Silk Road com um sumário de suas atividades no site, de acordo com o FBI. O computador também supostamente continha um diário detalhando a criação e manutenção do site, bem como lucros derivados do mesmo na moeda digital semi-anônima conhecida como Bitcoin.
A acusação planeja usar prints destas provas no caso. O advogado de Ulbricht tentou retirar estas evidências do julgamento sob o precedente do caso Estados Unidos versus Vayner, que afirma que tais prints são forjados muito facilmente para serem considerados evidência. A juíza Katherine Forrest decidiu em favor da acusação, mas deixando claro que a defesa pode contestar estas evidências caso a caso durante o julgamento.

Ross Ulbricht. Crédito: freeross.org
A defesa de Ulbricht está sendo financiada até certo ponto pelo magnata do Bitcoin Roger Ver, que diz apoiar Ulbricht em parte porque é contra a guerra às drogas.
“Doei dinheiro à causa porque creio que cada pessoa é dona de seu próprio corpo, e tem o direito absoluto de consumir o que bem entender”, disse ao Motherboard. “A polícia, juízes, e guardas que prendem as pessoas em jaulas por ingerirem substâncias sem a permissão de terceiros são aqueles cometendo o mal e precisam parar."
Se Ross Ulbricht é o DPR e ajudou a facilitar estas interações voluntárias, ele é um herói por dar às pessoas a tecnologia que permitiu que gente pacífica pudesse ignorar as ameaças violentas de terceiros que se dizem políticos e autoridades. Se Ross foi acusado falsamente, e não é DPR, então ele merece a melhor defesa que o dinheiro pode pagar. De qualquer forma, ele merece o apoio de qualquer um que é contra a guerra às drogas”.
O caso tratará de diversas questões nunca discutidas anteriormente em uma corte norte-americana e muitos acreditam que ele definirá precedentes para a privacidade e até que ponto o governo poderá responsabilizar as pessoas pelo conteúdo em seus sites e servidores.
Uma das grandes questões no caso é se o FBI encontrou o servidor do site por meios ilícitos, por meio de hackeamento, o que a defesa argumentou constituir uma busca ilegal sob a Quarta Emenda. Porém, a juíza Forrest rejeitou o argumento por conta de uma tecnicalidade, em outubro. Ela afirmou que Ulbricht não demonstrou substancialmente como os servidores pertenciam a ele, logo ele não teria como afirmar que o hackeamento seria invasão de privacidade. Admitir que os servidores são de Ulbricht, para a defesa, seria como se declarar culpado, mas Forrest disse que ainda assim ele poderia tê-lo feito.
“O réu poderia ter estabelecido seu interesse em privacidade pessoal ao enviar uma declaração sobre juramento que não pudesse ser usada como evidência de sua culpa durante o julgamento (por mais que pudesse ser usada para contestá-lo caso vá depôr como testemunha)”, escreveu a juíza.
“Ainda assim, ele escolheu não o fazê-lo.”
Julia Tourianksi, uma anarquista que protestará do lado de fora do julgamento com seu grupo ativista Brave the World, disse que há muito em jogo.
“Em um sentido mais amplo, este julgamento está testando os limites de quanto o estado pode se meter em nossas liberdades e o quão rápido podem tornar a internet um espaço fechado em que as pessoas se preocupem com imputabilidade e impossibilitados de diálogo e pensamento livres.”
Tourianksi disse temer que a acusação escolha intencionalmente um júri mais velho que não entenda bem os aspectos técnicos do caso. Por conta disso, ela disse que seu grupo ficará do lado de fora da corte durante a leitura do julgamento com cartazes do tipo “Prisão perpétua por conta de um site?”, para lembrar aos membros do júri do peso de sua decisão.
Seu envolvimento com a comunidade Bitcoin também motivou o apoio a Ulbricht, declarou. “Ao lado da liberdade de expressão, um site em que pagamentos anônimos podem ser feitos com Bitcoin é um passo vital para a independência financeira e econômica sem intervenção do estado”, afirmou. “Mas o estado oprime estes direitos sem pensar, e precisamos fazer algo e mostrar que nos importamos”.
Porém, Nicholas Weaver, pesquisador do Instituto Internacional de Ciências da Computação, afirmou que os precedentes em torno deste caso estão sendo exagerados.
“Não vejo este julgamento como tão relevante para a liberdade da internet como a defesa tem feito parecer pro público”, afirmou. “O Silk Road não era um serviço passivo, mas sim uma espécie de serviço de caução, de reputação, e um serviço de resolução de disputas, logo, estava envolvido em cada transação de narcóticos.”

A GRAVIDADE DAS ACUSAÇÕES SUGERE QUE O FBI ESTEJA QUERENDO DAR UM EXEMPLO

Porém, Weaver afirma que a gravidade das acusações contra Ulbricht sugere que o FBI esteja querendo dar um exemplo.
“[O caso] mostra que se você quer ter algo como Silk Road rolando, mude-se para Sochi, porque se o FBI pode te identificar, te prender, te jogar na cadeia com a sentença máxima”, disse. “Se você reparar nas acusações, as relacionadas à drogas mencionam quantidades de drogas que tem penas mínimas obrigatórias muito específicas – e isso é proposital. Se Ulbricht for condenado, vai passar um bom tempo na cadeia.”
A extensão a qual o caso estabelece precedentes só será definida quando o julgamento começar esta semana. Dratel disse que é “difícil prever” quanto tempo os procedimentos levarão, mas ele estima a duração em cerca de quatro semanas.
Tradução: Thiago “Índio” Silva