“Não há vivos, há os que morreram e os que esperam a vez.” Carlos Drummond de Andrade
quarta-feira, 18 de julho de 2012
A LUZ AZUL
O califa Abdul ibn Ahmed acordou no meio da noite e foi à sacada de seu palácio olhar Bagdá
adormecida. Ficou encantado ao ver que havia uma luzinha azul acesa numa casa distante, indicando
que ali alguém velava, trabalhando ou orando. Quem seria ?
Na manhã seguinte, ao saborear o seu narguilé, comentou com o servo que o atendia. Ficou surpreendido: o servo declarou que passara a noite orando a Alá pela saúde do califa.
Abdul ibn Ahmed o recompensou com cem moedas de ouro. E, quando foi despachar com o Grão-
-Vizir, elogiou o servo com palavras tais e tantas que o Grão-Vizir resolveu confessar:
- Oh, Pai dos Crentes ! Esse servo é um infiel, mentiu como um cristão ! Quem passou a noite velan-
do e orando pelo meu Amo e Senhor fui eu !
Admirado, o califa deu-lhe 500 moedas de ouro e prometeu-lhe metade de seu califado para breve.
Mas logo entrou um muezin (refiro-me àqueles caras que ficam rezando do alto dos mirantes) e
Abdul ibn Ahmed ficou sabendo que tanto o servo como o Grão-Vizir haviam mentido. Quem passa-
ra a noite velando e orando fora ele. O califa deu-lhe mil moedas de ouro e prometeu que o tornaria
seu sucessor.
A tarde caíra sobre a cidade e veio a noite. O califa dormiu logo, mas despertou subitamente. Foi
à sacada e ficou assombrado: Bagdá inteira estava iluminada, fosforescente. De todas as casas vinha
a luz azul.
Só então Abdul ibn Ahmed descobriu que governava uma cidade de bajuladores. Alá jamais ouvi-
ria as preces daqueles sabujos. Daí que resolveu orar para si mesmo.
Carlos Heitor Cony ( Folha de São Paulo de 11-10-1998 )
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