segunda-feira, 17 de novembro de 2014

IMAGENS DE CÂMERAS DE USUÁRIOS RELAPSOS

SITE TRANSMITE IMAGENS DAS CÂMERAS DE USUÁRIOS QUE NÃO MUDARAM SUAS SENHAS

by Joseph Cox para Motherboard


Na semana passada, eu sentei na frente do meu computador e assisti um jovem de Hong Kong relaxando na frente de seu laptop; uma mulher israelense arrumando o provador de uma loja de roupas; uma senhora assistindo TV na Inglaterra.
Nenhuma dessas pessoas sabia que eu as estava espionando, a milhares de quilômetros de distância, por dispositivos que transmitem, inadvertidamente, suas vidas privadas na internet.

Eu as encontrei em um site que afirma ter acesso direto ao feed de centenas de milhares de câmeras pessoais. O site disponibiliza uma lista de câmeras de 152 países, passando por lugares tão diversos quanto a Tailândia, o Sudão e a Holanda. O Reino Unido tem 1.764 câmeras no sistema. O Brasil, 974.

O site em questão transmite imagens de câmeras IP. Essas câmeras estão presentes nos dispositivos externos usados na vigilância de bens materiais, em babás eletrônicas, e na criação de sistemas de segurança caseiros e comerciais. Alguns desses dispositivos vêm com uma senha padrão que muitos consumidores não se preocupam em mudar, o que possibilita o acesso do site às câmeras.

O objetivo do site é chamar atenção para a segurança digital, segundo o criador do site (ignorem o fato de que o site tem propagandas). "O site foi criado para mostrar a importância das configurações de segurança", lê-se na página.

Crédito: imagem retirada do site

O site é o mais atual, e talvez um dos maiores exemplos de um movimento que envolve especialistas de segurança arriscando a privacidade individual com a justificativa de fomentar debates sobre grandes problemas de segurança. Essa abordagem pode até forçar alguma empresa a agir e consertar o problema; contudo, ela também pode prejudicar a comunidade.

Normalmente, quando um pesquisador encontra alguma falha de segurança em um dispositivo ou sistema, ele notifica a empresa em questão e junta-se a ela para encontrar alguma solução. Um exemplo: em maio um pesquisador informou o Google e a Microsoft sobre um método de transferência de vírus que fazia os usuários pensarem que estavam baixando um arquivo de um site seguro. O problema foi resolvido antes que o pesquisador levasse-o a público.

Normalmente, esse tipo de hacker white hat (um hacker especializado em encontrar falhas de segurança) se atêm a um código de conduta bem restrito. "Grande parte das políticas de divulgação responsável utilizadas pelos pesquisadores derivam da RFPolicy", me informou Shane Macaulay, diretor de segurança da IOActive, por email. "O procedimento descreve formas éticas de se lidar com empresas irresponsáveis, como divulgar falhas de segurança em fóruns especializados para chamar a atenção da empresa e 'espalhar a notícia', e outras formas de contactar a imprensa."
Esses princípios não são dogmáticos; eles são mais sugestões para uma relação segura entre pesquisadores e empresas; entre elas está a dica de manter um contato constante e liberar informação ao público somente no momento apropriado.

Mas muitos acreditam que algumas situações pedem uma abordagem diferente. No início do ano, dois pesquisadores revelaram uma vulnerabilidade decisiva em dispositivos USB. A vulnerabilidade permitia que qualquer dispositivo USB fosse contaminado por malwares indetectáveis e poderosos. Não havia nenhuma solução rápida para o problema.

EU ADMITO QUE ALGUMAS FALHAS NÃO PODEM SER RESOLVIDAS

Dessa forma, os pesquisadores publicaram os detalhes da vulnerabilidade para forçar toda uma indústria — aqueles que produzem dispositivos USB —a encarar o problema. Essa tática tem um lado ruim: com o código escancarado no Github, em teoria, qualquer criminoso empreendedor poderia criar um novo esquema lucrativo com base nessa pesquisa, ameaçando a segurança de um número incalculável de pessoas.

Matthew Green, professor assistente e pesquisador do Departamento de Ciência da Computação na Universidade John Hopkins, me disse por telefone que, em alguns casos, esse tipo de ação é necessária. "Eu admito que algumas falhas não podem ser resolvidas: você informa outras pessoas sobre elas, todos sabem sobre elas, mas ninguém tenta consertá-las", ele disse. "Em teoria, nesses casos, precisamos fazer algo para levar isso além."
Quanto ao site de câmeras IP, ele diz que não acredita que expor o feed de centenas de milhares de câmeras pessoais é a coisa certa a se fazer. "A diferença é que elas são vítimas; eles são indivíduos", disse Green.
Colocar o site no ar, disse Green, "me parece irresponsável". E isso se considerarmos que as afirmações de que o site foi criado para expor problemas de segurança são legítimas. “Tem muita gente que faz esse tipo de coisa para tentar ganhar um pouco de popularidade no meio", acrescentou Green. O criador do site não se manifestou até o momento.

Em 2012, uma coisa parecida aconteceu com as câmeras da Trendnet. O blog Console Cowboys anunciou uma falha crítica nessas câmeras, e alguém eventualmente criou um site parecido com o Google Maps, no qual qualquer um podia assistir a qualquer uma dessas câmeras — em teoria, para conscientizar o público sobre a questão e obrigar a Trendnet a fazer algo. Em resposta, a Trendnet anunciou uma atualização que iria consertar essa falha.

Crédito: imagem retirada do site

Mas esse novo site não tem como alvo uma falha técnica, e seu criador não parece ser um especialista em segurança comum. Apesar dele listar as diferentes marcas de câmeras sendo observadas (Foscam, Panasonic, Linksys, e IPCamera, e também os DVRs AvTech e Hikvision), a culpa não é necessariamente dos fabricadores. Boa parte da culpa é dos usuários e de seu descaso por senhas de segurança.
Os fabricantes das câmeras poderiam tomar algumas iniciativas, como forçar seus clientes a escolher uma nova senha quando o aparelho é ligado pela primeira vez, ou vender câmeras com senhas padrão únicas.

Chase Rhymes, presidente da Foscam, me falou que eles aplicaram a primeira medida há mais de um ano atrás, depois que descobriram que suas câmeras estavam sendo hackeadas por causa das senhas padrão. Mas Rhymes diz que "certamente não fizemos isso por causa desse site". Eles agiram por causa da invasão de uma babá eletrônica em 2013. A Foscam já sabia do site antes de entrarmos em contato; alguns repórteres do Mail on Sunday já os haviam procurado após descobrirem a página, no mês passado.

"Todas as câmeras sendo produzidas precisam receber uma nova senha durante o processo de configuração", disse Rhymes, por telefone. Ele afirma que, para as câmeras que já estão sendo usadas, eles lançaram um update que obriga os usuários a mudarem suas senhas. A empresa também afirma que entrou em contato com usuários e varejistas por email.
A Linksys, no entanto, ouviu falar pela primeira vez sobre o site pela minha boca. A empresa ainda "está tentando determinar quais câmeras IP da Linksys aparecem no site", mas acredita que elas sejam modelos antigos e descontinuados. Suas câmeras mais modernas exibem um aviso para os usuários que ainda não mudaram suas senhas padrão.

O VERDADEIRO PROBLEMA É QUE AS VÍTIMAS — AS PESSOAS SENDO OBSERVADAS — NÃO SABEM NECESSARIAMENTE QUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO

De acordo com o site, se você descobrir que sua câmera está sendo exibida e quiser retirá-la, é só mandar um email que o feed será apagado. Se você não quiser que sua câmera continue exposta indefinidamente, o site recomenda que você mude sua senha. Mas como é que você, a pessoa do outro lado da tela, pode descobrir que sua câmera está sendo observada?
"O verdadeiro problema é que as vítimas — as pessoas sendo observadas — não sabem necessariamente que isso está acontecendo", disse Green.
Mesmo se esse pesquisador — isso se ele puder ser considerado um — estiver realmente tentando expor falhas de segurança, não há muita dúvida de que sua tática é ilegal nos Estados Unidos.
"É uma violação claríssima do Ato de Fraude e Abuso Digital (CFAA, na sigla original)", disse-me Jay Leiderman, um advogado com experiência em casos envolvendo hackers.
Parece que o site mudou de provedor depois da investigação conduzida pelo Mail; os repórteres disseram que o antigo provedor estava localizado em Moldova, mas tudo indica que agora o site está hospedado pelo GoDaddy.com, com um IP vindo de Moscou, na Rússia.

Após a publicação dessa reportagem, o suposto administrador do site respondeu os emails da Motherboard e reafirmou que o propósito do site é chamar atenção para a falta de segurança desses dispositivos. "A diferença é que [o site] mostra a escala do problema", escreveu. "O problema estava sendo ignorado há muitos anos."

O administrador acrescentou que, até o momento, ninguém pediu para ter sua imagem retirada do site. "A maioria das pessoas não tem conhecimento do problema", diz em um email. O processo de adicionar câmeras ao site é supostamente "automatizado", com milhares de feeds adicionados a cada semana.
Do ponto de vista legal, Leiderman diz que não importa que as câmeras não tenham sido hackeadas 'de verdade’, mas sim acessadas com suas senhas padrão. "Se você coloca uma senha no computador é porque você quer protegê-lo, mesmo se essa senha for só '1'", disse. "É invadir um computador protegido."
Em certos casos, podemos defender a tática de denunciar falhas de segurança de forma espalhafatosa. Essa tática pode assustar as empresas e fazê-las lidar com um problema que elas poderiam muito bem ignorar. Mas sites como este, que expõem a vida particular de milhares — pessoas que nunca vão descobrir que estão sendo observadas — não oferecem nenhuma solução. A verdadeira motivação dos criadores do site permanece um mistério.
"Eu realmente acho que é bem improvável que isso resulte em mais conscientização sobre o problema", concluiu Green. "Se colocarmos numa balança, acho que isso vai atrapalhar mais do que ajudar."
Tradução: Ananda Pieratti

domingo, 16 de novembro de 2014

The Wall - O Retorno




Muro separará Brasil ocidental do Nordeste
Romero Britto dará a segunda demão de tinta no muro já erguido nos Jardins

POTSDAM - Votação realizada em urnas natalinas no Shopping Cidade Jardim mostrou que 96% dos paulistanos são a favor da construção de um muro que colocará o Brasil que produz e paga impostos de um lado, e a ameaça assistencialista bolivariana de outro. "Vamos separar o Brasil ocidental do Nordeste", anunciou João Doria Jr. "Do lado de cá das trincheiras, estaremos guarnecidos pelo superávit de masculinidade do blogueiro Rogério Constantinopla e pela verve verborrágica de Lobão, além de podermos contar com os lançamentos da Globo Filmes para alegrar nossos finais de semana nos cinemas. Em caso de balbúrdia ou rolezinhos, sempre teremos à mão o arsenal da família Bolsonaro", esclareceu. "Do lado de lá, restam a barbárie, o Brasil 247, o cinema pernambucano e a água encanada", completou.

Após encomendar 144 toneladas de mármore para revestir o lado ocidental do muro, Doria Jr. liderou uma legião de cidadãos de bens, que produzem e pagam impostos, concitando-os a arregaçar as mangas e colocar a mão na massa. "Também fizemos um crowdfunding para contratar ajudantes de pedreiro nordestinos radicados no Largo 13 de Maio", explicou.

Estarrecida com a iniciativa, Dilma Rousseff exigiu a imedita paralisação das obras. Em seguida, abriu uma licitação para a construção do muro. "Caberá ao Consórcio formado pela Odebrecht, Camargo Corrêa e Friboi a concretização do projeto", discursou. "Orçado em 189 bilhões, o muro deverá ficar pronto em 2514, quando ainda estaremos no poder", concluiu.

by Piauí-Nov 2014

Bomba Estéreo - SesioneS Off Season

sábado, 8 de novembro de 2014

Totalitarismo enraivecido: a Resolucao Politica do...

Diplomatizzando: Totalitarismo enraivecido: a Resolucao Politica do...: Andei lendo a Resolução Política do Diretório Nacional do PT -- que todo mundo pode consultar neste link: http://www.pt.org.br/wp-content/up...

BRITTANY MAYNARD DÁ NOVA VOZ AO SUICÍDIO ASSISTIDO



“Adeus a todos os meus queridos amigos e familiares que amo. Hoje é o dia que eu escolhi para partir com dignidade diante de minha doença terminal, esse terrível câncer no cérebro que levou tanto de mim... mas poderia ter tomado muito mais.” Assim, Brittany Maynard se despediu do mundo. A jovem, que tinha 29 anos, era vítima de um glioblastoma multiforme grau quatro, o mais agressivo tipo de tumor cerebral, e cometeu suicídio assistido, como havia planejado e anunciado em outubro.


Maynard havia acabado de se casar quando começou a sentir fortes dores de cabeça
A história de Brittany comoveu milhões de pessoas ao redor do planeta. Psicóloga, educadora e cheia de energia, ela recebeu a notícia de que tinha pouco tempo de vida um ano depois de seu casamento. Em janeiro, após sofrer enxaquecas muito fortes, a americana fez exames que constataram a presença de um tumor grande e difuso no cérebro. O primeiro prognóstico foi de 10 anos, mas após duas cirurgias, o câncer voltou ainda mais agressivo.

A rotina da jovem era marcada por fortes dores de cabeça e convulsões cada vez mais constantes. Recusando-se a tratamentos desnecessários – os próprios médicos deram a ela um prognóstico de seis meses –, Brittany resolveu aproveitar ao máximo o tempo que lhe restava e viveu cada segundo sabendo que poderia ser o último. Com o apoio da mãe e do marido, resolveu planejar a própria morte. A ex-moradora da Califórnia mudou-se para o Oregon, um dos quatro estados americanos onde o suicídio assistido é legal, e conseguiu uma receita médica de um coquetel letal. Os potinhos de remédio estavam sempre com ela.

A data marcada para morrer foi 1º de novembro. Antes disso, a jovem realizou seu último desejo e viajou com a família para o Grand Canyon. Na quinta-feira passada, Brittany surpreendeu novamente ao divulgar um outro vídeo, dizendo que poderia adiar o dia do suicídio assistido. Ela afirmou que ainda era capaz de sorrir e se divertir, mas também não descartou manter os planos originais, o que acabou ocorrendo. “Meu estado de saúde está se deteriorando rapidamente”, contou.

A morte de Brittany ocorreu no quarto que dividia com o marido, Dan. A mãe, Debbie, também estava presente, além de um médico, amigo da família. Na cama, a psicóloga escreveu um recado momentos antes de morrer, enviado para os amigos de Facebook. “O mundo é um lugar bonito, viajar foi meu melhor professor, meus amigos próximos e meus pais são os que mais se doaram para mim. Tenho, inclusive, um círculo de apoio ao redor da minha cama enquanto escrevo… Adeus, mundo. Espalhem boa energia. Vale a pena!”, concluiu.

A jovem realizou seu último desejo e viajou com a família para o Grand Canyon

O objetivo da jovem foi cumprido: ela conseguiu dar novo tom à polêmica discussão sobre o direito de pôr fim a uma doença intratável. Nos vídeos e nas mensagens que postou na internet, Brittany afastou a imagem normalmente associada a pacientes que, como ela, decidem quando e como morrer. Ainda que triste, conferiu serenidade a um assunto que costuma levantar opiniões acaloradas, baseadas em questões morais, éticas e religiosas.

“Minha família e eu chegamos a uma conclusão devastadora: não há tratamento que possa salvar minha vida e os remédios recomendados destruiriam o tempo que me sobra”, contou a jovem, em um artigo publicado no site da CNN. “Eu não queria esse cenário de pesadelo para minha família”, disse Brittany, referindo-se a uma internação hospitalar. “Então, comecei a pesquisar a morte digna. Essa é uma opção de fim de vida para pessoas mentalmente sadias, pacientes terminais com prognóstico de seis meses ou menos para viver. Isso me permitiria usar ajuda médica na hora da morte: posso pedir e receber a receita de uma medicação que eu possa ingerir por conta própria para acabar com meu processo de morte se isso se tornar impossível de lidar”, justificou.

Em um vídeo de seis minutos e meio divulgado pela organização Compassion & Choices, Brittany contou sua história e disse que, em vez de tratamentos invasivos, optou por aproveitar os dias que ainda tinha pela frente fazendo o que mais gosta: ficando na companhia do marido, da mãe, do padrasto e do cachorro e viajando.

 “Mudança positiva”
Para a antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, desde o início, a postura de Brittany contou pontos a favor daqueles que defendem o direito ao suicídio assistido. “Foi um caso bastante sensível e delicado, mas importante para o debate. Os oponentes do suicídio assistido alegam que as pessoas tomam essa decisão em um ato intempestivo. Brittany transformou isso num processo feliz”, diz a pesquisadora.

Nos Estados Unidos, cada estado tem sua legislação e apenas quatro – Oregon, Montana, Vermont e Washington – permitem o suicídio assistido. Na Europa, a prática é legal na Suíça, na Holanda, em Luxemburgo e na Bélgica. Um estudo recente publicado no Journal of Medical Ethics mostrou que o número de estrangeiros que viajam para a Suíça para morrer dobrou em quatro anos. Existe até um termo para isso: turista suicida.

Os autores do artigo analisaram os 611 casos de suicídio assistido de estrangeiros ocorridos no país europeu entre 2008 e 2012. Desses, 268 eram alemães, 122 britânicos, 66 franceses, 44 italianos e 21 americanos. No período, um cidadão brasileiro também recorreu à prática na Suíça, mostra a pesquisa.

Em média, a idade dos pacientes é de 69 anos, variando de 23 a 97; 58,5% são mulheres e os principais motivos são doenças neurológicas (47%) e câncer (37%), seguidas por doenças reumáticas, cardiovasculares, respiratórias e crônicas, entre outras.

Falta debate no Brasil

A antropóloga Débora Diniz ressalta que, no Brasil, as discussões legais sobre suicídio assistido são quase nulas e precisam ser reforçadas. Não há sequer menção à eutanásia – morte provocada por outra pessoa, como o médico, e não pelo paciente – no Código Penal. No máximo, o artigo 122 criminaliza os atos de “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”, com pena de dois a seis anos, duplicada quando praticados em menores.

A especialista acredita que a falta de uma legislação e de debate qualificado sobre o tema no país acaba resultando em casos dramáticos, como o acompanhado por ela há cerca de 10 anos, em Brasília. Débora foi chamada pelo Ministério Público para prestar assessoria a respeito de uma família que foi à Justiça pedir para os médicos não entubarem um bebê de 8 meses que tinha amiotrofia espinhal progressiva tipo 1, doença incurável, degenerativa e com curto prognóstico. Fisioterapia, punção da veia, aspiração pulmonar de duas a três vezes ao dia, procedimentos invasivos e dolorosos. Nada disso, contudo, modificava o quadro clínico da criança, apenas a mantinha viva.

Como a doença faz perder a capacidade muscular, o bebê perderia a habilidade de respirar, tendo que ser submetido à ventilação mecânica. Foi por isso que os pais recorreram à Justiça. “Do nosso ponto de vista, aquilo não é mais vida. Aquilo é condenar uma pessoa a não poder morrer (...) Uma criança no respiradouro não tem a possibilidade de morrer...”, disseram os pais da criança. As declarações constam do relatório elaborado por Débora. Uma semana depois da decisão favorável, o bebê morreu.

by Paloma Oliveto - Correio Braziliense

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Edward Snowden 2014 Entrevista TED

RETRATOS DO SÉCULO XX

by SPOTNIKS

O século XX viu o nascimento e a morte das mais diversas ideologias políticas, a inovação tecnológica capaz de levar o homem para fora do planeta, a gênese dos mais celebrados ritmos musicais de todos os tempos, e a consolidação do cinema e da televisão. O século responsável por Einstein, Ford, Hitchcock, Alexander Fleming, Pelé, Michael Jackson e a guitarra elétrica, é também o século de Hitler, Mussolini, Stalin, Pol Pot e Mao Tsé-Tung. Para celebrar suas conquistas e suas feridas, separamos 42 fotos colorizadas que retratam seu tempo.

‘Old Gold’, Carolina do Norte, Estados Unidos, 1939

‘Old Gold’, Country Store, 1939

Um operário trabalhando numa indústria americana, 1920

1920. Power house mechanic working on steam pump.

Pelé, com 17 anos, na Suécia, após a Copa do Mundo de 1958 

A 17 year-old Pele on a street of Sweden before the 1958 World Cup color

Luta de boxe, 1920 

A colorized photo of the aftermath of a 1920’s boxing match.

 Posto de gasolina em Washington, capital dos Estados Unidos, 1924 

A Washington, D.C. filling station in 1924

Garoto abandonado sobre os escombros da 2ª Guerra Mundial, Inglaterra, em 1945

Abandoned boy holding a stuffed toy animal. London 1945

Albert Einstein em Long Island, Nova York, em 1939 

Albert Einstein, Summer 1939 Nassau Point, Long Island, NY

Acidente de carro em Washington, capital dos Estados Unidos, em 1921 

Auto Wreck in Washington D.C, 1921

Big Jay McNeely no Olympic Auditorium, em Los Angeles, em 1953 

Big Jay McNeely Driving the Crowd at the Olympic Auditorium into a Frenzy, Los Angeles, 1953

Tropas britânicas em viagem durante a 2ª Guerra Mundial, 1939

British Troops Cheerfully Board their Train for the First Stage of their Trip to the Western Front – England, September 20, 1939

Uma menina descalça trabalha em uma fábrica têxtil de Nova Inglaterra, 1910  

Child Labor, A barefoot girl works in a New England textile mill, 1910

Claude Monet em 1923

Claude Monet in 1923

O comediante e cantor Ernest Hare expressando seus pensamentos sobre a Lei Seca, 1920

Comedian and singer Ernest Hare expressing his thoughts on Prohibition, ca. 1920.

Registro do time de remo de Cornell, em 1907 

Cornell Rowing Team 1907

Beliches lotados no campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha, durante a 2ª Guerra Mundial, em 1945 

Crowded Bunks in the Prison Camp at Buchenwald, April 16, 1945

Soldados “desejando” Feliz Páscoa para Hitler, em 1944

Easter Eggs for Hitler, c 1944-1945

Um fazendeiro e seu filho em Shawnee County, Kansas, nos Estados Unidos, em 1924 

Granjero y su hijo. Condado de Shawnee, Kansas, 23 de septiembre de 1924

Henry Ford, 1919

Henry Ford, 1919

Adolf Hitler, 1939

hitler

Joseph Goebbels encarando o fotógrafo Alfred Eisenstaedt depois de descobrir que ele era judeu, 1933

Joseph Goebbels Scowling at Photographer Alfred Eisenstaedt after Finding out he’s Jewish, 1933

Homens do Air Service Command em um jogo de cartas, na Carolina do Sul, em 1943

Julho de 1943, Greenville, South Carolina, homens do Air Service Command em um jogo de cartas. Colorizado por “Retropotamus”, Estados Unidos.

Crianças brincando perto de um cavalo morto em Nova York, na primeira década de 1900

Kids playing near a dead horse NYC, 1900s

Lee Harvey Oswald, o assassino do presidente John F. Kennedy, em 1963

Lee Harvey Oswald, 1963, being transported to questioning before his murder trial for the assassination of President John F. Kennedy.

Martin Luther King na Marcha sobre Washington, em 1963

Martin Luther King

Florence Owens Thompson, a Migrant Mother, em Oklahoma, nos Estados Unidos, em 1936

Migrant Mother [Oklahoma, USA - 1936]

Alemanha Nazista, 1937

Nazismo

Garoto vende jornal anunciando a tragédia do Titanic, em 1912 

Newspaper boy Ned Parfett sells copies of the evening paper bearing news of Titanic’s sinking the night before. (April 16, 1912)

Nova York na primeira década de 1900

Nova York 1900

Nova York em 1909 

NYC 11th Ave 1909

Mulheres pintam posters de propaganda para a 2ª Guerra Mundial, nos Estados Unidos, em 1942

Painting WWII Propaganda Posters, Port Washington, New York – 8 July 1942

Punição por colaborar com os nazistas, em Montélimar, 1944

Punishment for collaboration with the nazis, Montelimar 1944.

Prisioneiros resgatados num campo de concentração em Wöbbelin, em 1945

Reclusos rescatadas en el campo de concentración nazi Wöbbelin de 1945 cerca de Ludwigslust.

Rocky Marciano versus Jersey Joe Walcott, em 1952

Rocky Marciano vs. Jersey Joe Walcott, 1952

Stalin, Truman e Churchill na Conferência de Potsdam, em 1945

Stalin, Truman, and Churchill at the Potsdam Conference

Biblioteca móvel da 31ª divisão de infantaria das Forças Armadas americanas, em Los Angeles, 1943

The 31st Division's Mobile Library in the maneuver area at Camp Polk, La. (18 Aug 43).

Nova York na primeira década de 1900

The Bowery, looking east, Rockaway, N.Y. between 1900 and 1910.

The Downbeat Jazz Club, 1948

Downbeat Jazz Club, New York, 1948 Colorized

Times Square, em 1947

Times Square, 1947

W.H. Murphy e seu assistente demonstrando sua nova invenção, o colete à prova de balas, em 1923

W.H. Murphy and his Associate Demonstrating their Bulletproof Vest on October 13, 1923

Winston Churchill, em 1941

Winston Churchill, 1941

Mulheres treinando boxe, 1930

Women boxing, circa 1930’s

Mulheres entregando gelo, 1918

Women Delivering Ice, 1918

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

FÁBULA DA CINDERELA PETISTA DESLUMBRADA

por RENATO TERRA
by Piauí nº 90



A PETISTA DESLUMBRADA
 
Era uma vez uma esquerdista idiotizada que vivia encostada na casa da madrasta à espera de um Bolsa Esmola qualquer. Cinderela ficou órfã aos 6 meses quando seus pais foram combater na Guerrilha do Araguaia. Foi adotada por uma madrasta que cuidou com mão de ferro de sua educação e formação de caráter. Cinderela, no entanto, tinha um DNA comunista. Passava os dias fumando maconha e imaginando maneiras de implementar no país uma ditadura genocida em nome de “um mundo melhor”. Pelo desleixo com que realizava suas tarefas domésticas, ficou conhecida como a Princesa da Baderna.
Metade irresponsável, metade hipócrita, a princesinha, como toda comunista, no fundo sonhava em casar com um marido rico e morar numa cobertura à beira-mar no Leblon. Resistia diariamente ao trabalho honesto e ofendia a religiosidade de sua sagrada família repetindo blasfêmias vomitadas por Gregorio Duvivier.
Todos sabiam que Cinderela era a cabeça de uma gangue que recrutava bárbaros desocupados para realizar rolezinhos nas áreas civilizadas da corte. Em vez de levar um corretivo bem aplicado, a musa da baderna foi incentivada a delinquir e logo se destacou. Integrou comissões de direitos humanos para defender os bandidos que a acompanhavam e, claro, filiou-se ao PT para conhecer bandidos novos.
Num belo dia, enquanto tramava a depredação de um asilo, Cinderela recebeu uma mensagem em seu iPhone 4 convidando-a para um baile na USP regado a cerveja e tóxicos. Sua madrasta, que pagava suas contas, inclusive o cartão American Express, foi contra. Numa atitude corajosa e educativa, amarrou Cinderela a um poste e saiu para trabalhar.
Foi quando, num passe de mágica, a Fada Neoliberal apareceu. Com um vestidinho Versace, óculos escuros Dolce & Gabbana e chapéu-panamá, a fadinha foi logo lançando seu feitiço: “Livre mercado, Estado mínimo, garantias individuais/ Bibidi-bobidi-bu/ Junte isso tudo e teremos então/ Bibidi-bobidi-bu.”
Com uma varinha Louis Vuitton, transformou a abóbora em um helicóptero da família Perrela. Reduziu impostos de perfumes e disponibilizou para Cinderela um grande closet com coleções hippies e hipsters 2014-15 de grifes famosas. Mas havia uma condição: à meia-noite, o feitiço acabaria e Cinderela teria que arrumar um emprego para pagar suas contas e reembolsar as dívidas que fez com a fada. Os juros seriam de 13% ao mês. Cínica, Cinderela aceitou as condições.
No baile, Cinderela dançou a noite toda de rosto colado com um morador de rua fedido. Perto da meia-noite, no entanto, a manifestação que começou pacífica foi infiltrada por um pequeno grupo mascarado que iniciou atos de vandalismo. A princesa acabou deixando cair um frasco de vinagre e uma máscara de oxigênio na escadaria enquanto corria da Polícia Militar.
Edevaldo Maria das Dores, o morador de rua que dançou com Cinderela, começou a procurar mulheres em cujo rosto coubesse a máscara. Calhorda e ingrata, como todos os comunistas, Cinderela ignorou a busca do malcheiroso e os dois nunca mais se viram.
Cinderela casou-se com um empresário neoliberal financiado pelo BNDES e viveu hipócrita para sempre, assistindo a Manhattan Connection sob o edredom nas noites de domingo.

CABEÇA DE PIMENTA

Vai arder assim nos Estados Unidos
por Alexandre Rodrigues
Piauí nº 95 Ago 2014

Na Guerra Fria, americanos e soviéticos travaram uma disputa pela bomba capaz de destruir o mundo mais rapidamente. Ed Currie, um ex-bancário e agricultor amador americano de 50 anos, fala macia, barba rala e um indefectível boné na cabeça, lidera uma versão menos letal – mas muito quente – da corrida armamentista. O Guinness Book, o livro dos recordes, apontou no ano passado que a Carolina Reaper, pimenta desenvolvida por ele no quintal de casa em Rochester Hills, no estado de Michigan, é a mais ardida do mundo. Atingiu 1,569 milhão de unidades Scoville, a escala oficial de ardência dos frutos das plantas do gênero Capsicum.

Com formato de um rabo de escorpião, a Carolina Reaper é praticamente impossível de ser engolida por alguém com um paladar comum. Na ZestFest – uma feira de pimentas em Columbus, Ohio, à qual Currie compareceu em junho de 2013 com alguns exemplares –, dezenove pessoas tentaram. Dezessete vomitaram ou desistiram. “Não há vergonha em vomitar, amigo”, ele consolava as vítimas. O mundo dos chilli head sou “cabeças de pimenta”, como são chamados os fãs de pimentas extremas nos Estados Unidos, não é mesmo para qualquer um.

O Guinness já reconheceu a existência de quatro superpimentas. Até sete anos atrás, a americana Red Savina Habanero, com cerca de 500 mil unidades Scoville, reinava absoluta. Foi então que, em 2007, Paul Bosland, diretor do Chile Pepper Institute, um centro de pesquisas da Universidade Estadual do Novo México, leu sobre as experiências do Exército da Índia com uma pimenta local, a Bhut Jolokia. Testou algumas amostras e ficou chocado: tinham o dobro da ardência da Red Savina. A Bhut reinou como a mais ardida do mundo entre 2007 e 2010 e criou um fenômeno pop. Vídeos com pessoas sofrendo para comê-la proliferaram no YouTube.

Em fevereiro de 2011, a Bhut Jolokia foi destronada pela inglesa Infinity Chilli, também com mais de 1 milhão de unidades Scoville. Mas seu reinado foi efêmero: duas semanas depois, foi anunciado que outra inglesa, a Naga Viper, era a nova campeã, com 1,382 milhão. Mais quatro meses e o título mudava de mãos novamente, indo para a Butch T, desenvolvida na Austrália, tendo atingido a marca de 1,463 milhão de unidades. Com a venda de sementes pela internet, mais e mais agricultores amadores se aventuraram no ramo.

Ed Currie é um deles. Seu interesse por pimentas se deve ao histórico familiar de doenças cardíacas e câncer. Nos anos 80, ele decidiu pesquisar por conta própria como evitar a maldição, descobrindo que, entre outros fatores, populações com baixas taxas de incidência das duas moléstias consomem pimentas fortes em todas as refeições. Então encomendou sementes pelo correio e começou a cultivá-las no quintal de casa, tentando criar uma híbrida da Naga com a Habanero vermelha.

Nos anos 90, Currie foi levado ao fundo do poço por outros males. Era alcoólatra, pesava mais de 100 quilos e ia mal no trabalho. Foi quando, ele garante, um anjo entrou pela porta numa noite e ordenou que entrasse numa reabilitação. Recuperado, dedicou-se ainda mais às pimentas. O negócio se expandiu com a criação da PuckerButt Pepper Company, uma fabricante de molhos com nomes sugestivos como “Eu te desafio!” que emprega doze pessoas. “Eu tenho minha opinião sobre por que pimentas superquentes são tão populares”, disse ele em entrevista por e-mail: “Vício.”
Currie pode estar certo. Por trás da ardência está a capsaicina, composto químico das pimentas Capsicum. Quando entra em contato com membranas da boca, do nariz e da garganta – é melhor nem pensar nos olhos –, provoca um sinal de dor que faz o cérebro começar a produzir endorfina, que causa uma sensação agradável no corpo. O bem-estar depois da ingestão de uma superforte é parecido com o de um atleta após uma corrida intensa.

Medir essa ardência só é possível graças ao farmacêutico americano Wilbur Scoville. Em 1912, ele começou a misturar um copo de pimenta pura com água com açúcar, diluindo progressivamente até notar – não sem algum sofrimento, já que tinha que experimentar a mistura – que a ardência havia parado. Apesar de rudimentar, o método é a base das unidades de calor Scoville, até hoje usado por cientistas. Mas ninguém precisa mais beber água com pimenta. Análises de DNA e cromatografia detectam o teor de ardência.
“Pimenta é como sal”, diz Paul Bosland, o cientista que também é um chilli head. “Em poucas quantidades, melhoram os pratos; se muito fortes, estragam.”

Por que então produzir uma pimenta quase impossível de comer? A resposta não é muito diferente da que move os produtores de cerveja artesanal ou de café gourmet: a busca de fama e fortuna. Enquanto ingleses e australianos são menos competitivos, compartilhando técnicas e sementes, entre americanos a disputa pela pimenta mais ardida acontece em clima de guerra. Jim Duffy, criador da pimenta Trinidad Moruga Scorpion, travou uma batalha contra Currie em fóruns online e páginas no Facebook quando ficou sabendo da Carolina Reaper. Nada fatal: os dois hoje são amigos.

Currie é um estranho no meio dos chilli heads. Um adorador de pimentas típico parece um fã de rock que gosta de tatuagens e faz referências a Satã, mas ele é um cristão fervoroso desde o “episódio do anjo” e costuma repetir: “Foi um presente de Deus.” Sua generosidade, porém, para nos negócios. Quando um produtor anunciou ter conseguido sementes da Carolina Reaper, os advogados de Currie o procuraram para proibi-lo de revendê-las. Ele também se recusa a entregar amostras a sites de resenhas de pimentas e à imprensa.

Há acusações de que a Carolina Reaper é uma farsa ou, na média, menos picante do que a Trinidad Moruga, que em um teste chegou a atingir 2,2 milhões de unidades Scoville. Para obter seu título, Currie gastou 19 mil dólares em testes de laboratório na Universidade Winthrop. Em novembro de 2013, recebeu a mensagem de parabéns do Guinness anunciando que chegara ao topo – pelo menos até a próxima superpimenta.

O PROCESSO

Francenildo e a Justiça
por João Moreira Salles
Piauí nº 96 Set 2014

Francenildo dos Santos Costa entrou no prédio do Tribunal Regional Federal, em Brasília, por volta das 13h20 do dia 23 de julho, quarta-feira. Estava ali para assistir ao julgamento dos recursos interpostos pela Caixa Econômica Federal e por ele próprio, por intermédio de seu advogado, Wlicio Chaveiro Nascimento, na ação indenizatória que move contra a instituição bancária e a Editora Globo. Lá se iam oito anos desde que seu sigilo bancário fora violado. A caminho da sala da 5ª Turma, percorreu um corredor cujas paredes expunham reproduções baratas de iconografia sacra: madonas cusquenhas, Santas Ceias, esse tipo de coisa. Como estivesse adiantado – a sessão estava marcada para as 14 horas –, diminuiu o passo para ver as imagens. “Esse prédio é mesmo diferente dos outros”, disse, quase de si para si. “Os santos estão na parede.”

As visitas aos outros prédios – o Congresso, a Polícia Federal, o STF – haviam sido muitas. Levado a depor na CPI que investigava as relações do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com tipos ligados à exploração de bingos, Francenildo disse o que sabia e a vida se desfez. Perdeu o emprego e o anonimato; foi chamado de delator por uns e de aproveitador por outros. Às tantas, chegou mesmo a se perguntar se havia feito alguma coisa errada.

A Caixa dá a entender que fez, sim. Condenada em 2010 a pagar 500 mil reais a título de dano moral – a ação movida contra a Editora Globo foi julgada improcedente em primeira instância, sob o argumento de que a publicação dos dados bancários de Francenildo na revista Época estava respaldada pelo direito à informação –, a instituição recorreu, amparando-se numa peça jurídica de 37 páginas em que lança suspeita sobre a retidão do litigante: “O Autor, diferentemente do alegado na peça inicial, [...] ao invés de ser humilhado, jamais demonstrou alguma espécie de sofrimento. Ao contrário, tendo-se tornado pessoa conhecida nacionalmente, aproveitou-se daquele ‘momento de fama’, apresentando-se sempre nos diversos meios de comunicação com aparência sorridente, falante e, aparentemente, satisfeito com seu ‘sucesso’.

Seria possível avaliar o sucesso de Francenildo pela quantidade de piscinas que, desde 2006, ele consegue lavar a cada semana. Quando a fase é boa, faz bico em três casas e apura 1 200 reais por mês. A fama, da qual não consegue se livrar, é responsável por nunca mais ter conseguido emprego com carteira assinada. (Numa cidade alimentada pela indústria do poder, o rapaz que “derrubou o homem” não se qualifica a muitas vagas.) “O Autor contribuiu para todo este cenário a partir do momento em que concedeu entrevistas ou mesmo autorizou o seu advogado a falar por ele.[...] Ninguém é obrigado a dar entrevista à imprensa”, lê-se no recurso da CEF, argumento curioso que ganharia em força se os advogados explicassem como uma pessoa lançada à revelia no centro do maior escândalo da República – alguém sem um pelotão de assessores para ocupar a linha de frente e sem condomínio fechado onde se refugiar – poderia se dar ao luxo de evitar o assédio da imprensa.
A “aparência sorridente” também não é tão fácil de localizar. Quieto, silencioso, Francenildo dá a impressão de querer sumir dentro de si mesmo. Na manhã daquela quarta-feira, no escritório de seu advogado, mencionara a felicidade ao dizer o que gostaria de ouvir da Caixa à tarde: “Que eles concordam em pagar um pedaço qualquer da indenização para dar cabo dessa história. Eu ia embora feliz. E também seria bom ouvir desculpas, aliviaria um pouco.” Mirando o chão, passou o dorso da mão nos olhos: “Estou cansado.” A voz era um fiapo.
Quanto ao sofrimento de Francenildo – ou à ausência dele, segundo a Caixa –, a peça jurídica da entidade cita o “brilhante voto” do desembargador Sergio Cavalieri Filho em processo semelhante: “‘Só deve ser reputado dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira diretamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral[...].’”

Francenildo leu a peça e concluiu que a linguagem forense se resume a “uma palavra fácil em volta de muita coisa”. Ilustrou a ideia com um gesto largo acima da cabeça, como se ali pairasse uma nuvem na qual se acumulassem “nexos de causalidade”, “domínios do fato”, “princípios de eventualidade”, “polos passivos da presente demanda”, “instâncias ad quem”, “litisconsortes” e “tempestividades”. Desse cipoal – “dessa tecnologia lá deles, disso tudo que estudaram” –, inferiu que, para os advogados da Caixa, seu suposto sofrimento era decorrência do testemunho que prestara à CPI e, nesse aspecto, concordou com eles: “Não sofri por ir na CPI. Preferia 50 mil vezes falar lá no Congresso o que eu falei em vez de eles quebrarem o meu sigilo. ‘Você recebeu aqueles 25 mil pra falar.’ Passei por mentiroso. Isso é que me derrotou, isso é que foi sofrimento.”

Mas não foi bem a isso que se referiu a CEF. A apelação da entidade alude ao sofrimento – ou mero “aborrecimento”, mera “irritação”, como entende o banco – que Francenildo teria experimentado ao se romperem em definitivo os laços com seu pai biológico. Eles ensaiavam uma aproximação quando Francenildo teve de explicar os 25 mil reais em sua conta corrente. Tratava-se de soma adiantada pelo pai (de um total de 30 mil) até que viesse o registro de paternidade. Diante da acusação de que recebera dinheiro para denunciar Palocci, Francenildo se viu forçado a quebrar o acordo que fizera com o pai: o de manter silêncio até que o velho explicasse à família a existência do filho nascido de uma relação extraconjugal. O pai nunca mais falou com ele.

A Caixa nega ter quebrado o sigilo bancário de seu correntista. Argumentando que houve tão somente “transferência de sigilo” ao Ministério da Fazenda, órgão a que está subordinada, joga Palocci aos leões: “O sr. Antonio Palocci Filho é a pessoa que tinha o domínio do fato, mentor intelectual e arquiteto do plano.” Em 2009, por cinco votos a quatro, o STF absolveu o ex-ministro da ação criminal movida pelo Ministério Público por falta de provas de seu envolvimento na violação.

Em junho do ano passado, tentando um novo contato com o pai, o primeiro desde os acontecimentos de 2006, Francenildo foi a Teresina e o esperou na porta de casa. Saiu corrido dali, sob ameaça de polícia. “Me deu vontade de chorar e daí liguei pro Wlicio. Pai chamando polícia pro filho é coisa muito ruim. Entende agora? Eu ainda tinha uma chance com ele. Foi a quebra do sigilo que me lascou.” Uma ação de paternidade seria possível, mas custa caro e encerraria de vez qualquer possibilidade de aproximação. “Queria que o pai me aceitasse”, diz Francenildo.
Já para a Caixa, o acordo entre pai e filho não passou de uma transação comercial, sujeita, como todo negócio, às penalidades cabíveis em caso de quebra de contrato. Em apoio à tese, a Caixa propõe “o seguinte silogismo: se somente por uma contraproposta de 30 mil reais o Autor se comprometeu a silenciar quanto ao seu Estado de Filiação[...], pode-se concluir que acaso recebesse proposta de qualquer valor inferior àquele, não se contentaria em revelar os fatos, com o que a alegada filiação estaria divulgada”. Mais uma pirueta retórica e o silogismo se torna fato líquido e certo: “Assim, se por R$ 29.999,99, ou menos, o próprio Autor deixa antever que tornaria pública sua filiação, não se mostra sequer razoável pretender indenização[...] da ordem de R$ 17.500.000,00[demanda inicial da ação] e receber o montante de R$ 500.000,00 fixados na sentença.
Os advogados da Caixa advertem que, se não compreendermos a natureza comercial do acerto entre pai e filho – não obstante Francenildo jamais ter cogitado abrir mão do reconhecimento paterno –, “acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos”, outra passagem pinçada do brilhante voto do desembargador Cavalieri Filho.

Às 13h30, Francenildo, tímido como sempre, sentou-se na última fileira da sala da 5ª Turma. Um advogado da CEF já estava presente, e não demorou para que outros quatro se juntassem a ele. Quando o meirinho começou a tomar nota dos pedidos de preferência (quem fala primeiro, quem fala depois), um deles se aproximou, deu seu nome e informou a parte que representava: “Caixa Econômica Federal.” Francenildo cochichou: “Caixa econômica devia ser eu, que tenho um advogado só. Eles têm cinco.” Errado: com os dois que chegariam dali a pouco, seriam sete, quatro mulheres e três homens, todos com o crachá de seu empregador. Ocuparam mais da metade da fila à frente de Francenildo e logo iniciaram o vaivém de celulares, numa animada exibição de fotografias de férias, pratos elaborados e ao menos um pôr do sol. A um joelho de distância, Francenildo comentou com Wlicio: “Parece o 7 x 1 de Brasil e Alemanha.”

A sala foi se enchendo e não havia dúvida de que a cena se passava em Brasília, pois quase todos os presentes, em sinal da própria importância, ostentavam na lapela aqueles bottons com cara de comenda. Os juízes, desembargadores e técnicos foram tomando seus lugares, num respeito suíço ao horário. Eram 13h54. Às 13h55, o meirinho se aproximou da balaustrada que separa corte e plateia e anunciou em voz alta: “Francenildo, Caixa: retirado de pauta. Não será julgado hoje.”
Os advogados da Caixa se entreolharam. Dois deles se levantaram, em seguida mais três, e todos saíram da sala para confabular com Wlicio. Francenildo permaneceu onde estava, enquanto sua vida era discutida nos corredores do TRF. Esperava essa sessão desde 2010.
Havia ocorrido um erro processual. A Editora Globo, corré na apelação de segunda instância, não comparecera à sessão por não ter sido intimada, motivo pelo qual o juiz adiava o julgamento. Até o fechamento desta edição, uma nova sessão ainda não havia sido marcada.

Francenildo percorreu em sentido inverso o corredor dos santos. “É por isso que rico tem medo de ficar pobre. Da próxima vez, é a Caixa que não vem. Quantos anos agora até eles remarcarem?” Parou do lado de fora do TRF, à espera da condução. À sua frente, os sete advogados da Caixa cruzaram a rua em direção à sede do banco, ali perto. Ao contrário deles, Francenildo já perdera o dia – os 130 reais para lavar as pedras de uma piscina. Ia para casa, a uma hora de distância.

domingo, 2 de novembro de 2014

O ÓDIO NOSSO DE CADA DIA

Leandro Karnal - O Estado de S. Paulo
historiador e professor de História Cultural da Unicamp

Finda a eleição, numa ressaca nacional o Brasil descobriu-se raivoso: dormimos num vale suíço e acordamos em Serra Leoa




O Brasil não tem terremotos ou furacões. Carecemos de tsunamis. O fundamentalismo religioso, aqui, é mais lembrado pela estética da saia e cabelos compridos que por genocídios. Mesmo não sendo um paraíso, todo brasileiro sabe que não vivemos no inferno. A Terra de Santa Cruz é um cálido purgatório, no máximo.

Esse quadro tem sido pintado, com cores mais fortes ou mais fracas, desde nossa cena fundacional, em 1500. Sérgio Buarque de Holanda usou a celebrada expressão “homem cordial” para descrever nossas raízes, em 1936. Ainda que tenha defendido que o cordial deriva de impulsivo pelo coração, não o dócil, o texto do pai do Chico foi lido sob o prisma do pacifismo. Na mesma década, Gilberto Freyre tinha pintado um latifúndio no qual a escravidão emergia com uma toada malemolente. Os dois clássicos foram absorvidos por um público pátrio que amou encontrar, mesmo onde não havia, uma base narrativa para nossa representação pacifista.

Contraponto necessário a nossa ilusão: nossos vizinhos são agressivos. Guerras civis devastaram Argentina e Colômbia. A escravidão custou mais de 600 mil mortos para ser abolida nos EUA. Aqui? Uma penada de ouro de uma princesa gentil num belo domingo de maio de 1888.

A expressão guerra civil não aparecia nunca nos livros didáticos do Brasil. Cabanagem, Balaiada, Farroupilha? Eram revoltas regenciais, termo didático, não sangrento e asséptico. A violência? Uma exceção. Euclides da Cunha destacou que a repressão a Canudos era algo único: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo”. Lá nos sertões ainda sobrevivia uma possibilidade de violência sem concordata, mas era excepcional. Caso ímpar num país de “acordões” e de gabinetes de conciliação, atavismo do século 17 que insistia em não morrer.

Nosso racismo? Completamente aguado em comparação ao apartheid sul-africano ou estadunidense, dizia-se. Aqui jamais houve negros separados de brancos em ônibus. Antagonismos homicidas entre islâmicos e judeus no Oriente Médio? Abaixo do Equador os dois filhos de Abraão dividiam calçadas de lojas e se cumprimentavam varrendo a frente de seus estabelecimentos. O campo de prisioneiros de guerra alemães no Brasil, em Pouso Alegre (MG), em 1943/1944, era quase uma colônia de férias se comparado aos similares europeus. Que país bucólico e pacífico! Que terra bafejada pela harmonia!
Esse quadro sem desastres naturais de monta nem ódios ancestrais e genocidas foi passado a várias gerações, a minha inclusive. Em plena ditadura, na escola, cantávamos “as praias do Brasil ensolaradas” onde Deus plantara mais amor e onde “mulatas brotam cheias de calor”. Nesse Éden tropical e erótico, nada se falava sobre repressão a dissidentes. E, combinação maravilhosa: o céu nos sorria e a terra jamais tremia.

Os momentos de polarização política, como 1935 (Intentona Comunista) ou 1964 (golpe militar), foram retratados na versão oficial e conservadora como infiltração de doutrinas estrangeiras de ódio. Era o marxismo pantanoso em meio a um povo cristão e pacífico. Foram os primeiros momentos nos quais a elite pátria pensou em “nós”, ou seja, os pacifistas que queriam construir uma país de progresso e prosperidade, contra “eles”, os grevistas, sindicalistas, agitadores e outros que insistiam em inocular no corpo nacional o vírus do dissenso. “Nós” correspondia aos patriotas, aos que só desejavam a paz. “Eles” correspondia à cizânia e aos cronicamente insatisfeitos. Sempre fomos bons em pensamentos maniqueístas, em dualismos morais perfeitos. Ninguém é católico por séculos e emerge ileso desse destino...

A grande política foi criada nessa duplicidade: os getulistas e lacerdistas, Arena e MDB, PT e PSDB. Briga de torcidas sim, porque cada lado sempre retirou sua agenda da outra facção. Mais do que briga, dança coreografada. “Nós” somos éticos, “eles” são corruptos. “Nós” trabalhamos por um Brasil grande e disciplinado, empreendedor. “Eles” querem só as benesses do governo numa vida ociosa e vampiresca. “Nós” sustentamos o Brasil. “Eles” apenas se aproveitam. Qual o grande problema nacional? “Eles” não entendem que “nós” estejamos corretos.

A microfísica do poder e da sociabilidade repetia esse padrão. No trânsito, o que atrapalha? Se eu for motociclista, óbvio, carros, ônibus e pedestres não funcionam. Sou taxista: esses carros particulares estão a passeio e são descuidados. Ciclista estou? Falta cidadania aos outros. Infelizmente, todos erram e, desgraçadamente, apenas eu sei dirigir.
O primeiro problema da nossa intensa violência no trânsito(estamos entre os quatro países que mais matam pessoas) é que não participo, como sujeito histórico, da barbárie. A violência é do outro, nunca minha. Aliás, rodo como um Gandhi orientado pela Madre Teresa de Calcutá. Os outros? Gêngis Khan no banco de passageiros com Átila ao volante.
O trânsito é uma metáfora trágica. Somos um país violento. Violentos ao dirigir, violentos nas ruas, violentos nos comentários e fofocas, violentos ao torcer por nosso time, violentos ao votar.

Passei duas semanas fora do País às vésperas do segundo turno presidencial. Desembarquei no sábado, faltando poucas horas para a abertura do horário de votação. Distante do meu país, fui invadido, via internet, por textos duros, propagandas furibundas, imagens de escárnio e análises corrosivas. Todas tinham um ponto em comum: o outro era a fonte do deslize ético e do método ilícito de campanha. A campanha do outro partido era D-E-P-L-O-R-Á-V-E-L. “Nós” apenas nos defendíamos no interior do castelo puro da civilização, jogando contra-ataques em direção à horda nauseante.

Findo o pleito, uma ressaca nacional: o Brasil descobriu-se raivoso. Os brasileiros ficaram surpresos com a carga de ódio que fluiu pela rede. Estávamos ainda nas praias do Brasil ensolaradas? Na terra do leite e do mel sem terremotos? Este ainda seria o país do futuro? Dormimos num vale suíço e acordamos numa guerra em Serra Leoa.

Esse ódio sempre esteve lá. Ódio não é dado a ter infância. Nasce adulto em lugares úmidos onde o ressentimento germina. O ódio é parte central da identidade de indivíduos e grupos. Os regionalismos raivosos (calabreses contra lombardos, bascos contra castelhanos, etc.) sempre foram, antes de raivosos, regionalismos. Em outra palavras: eu preciso constituir uma região antes de odiar outra. Mas ódios são circulares com a identidade: eu preciso odiar também ANTES para constituir uma região. Uma contradição interessante.
Aqui começa a delícia do ódio. Ao vociferar contra outros, o ódio também me insere numa zona calma. Se berro que uma pessoa x é vagabunda porque nasceu na terra y, por oposição estou me elogiando, pois não nasci naquela terra nem sou vagabundo. Se ironizo com piadas ácidas uma opção sexual, destaco no discurso oculto que a minha é superior. Todo ódio é um autoelogio. Todo ódio me traz para uma zona muito tranquila de conforto. Não tenho certeza se sou muito bom, mas sei que o outro partido é muito ruim, logo, ao menos, sou melhor do que eles. É um jogo moral denunciado por dois grandes judeus: Jesus e Freud.

Mas o ódio apresenta outra função interessante. Ela aplaina as diferenças do meu grupo. O ódio, como vários ditadores bem notaram, serve como ponto de união e de controle. O ódio é gêmeo xifópago do medo, e pessoas com medo cedem fácil sua liberdade de pensamento e ação.
Há que se lembrar: a brisa do amor fraterno é mais etérea do que o furor da tempestade de ódio. Insultar no trânsito é mais intenso do que dizer eu te amo na cama, ao menos considerando-se a abundância da primeira frase e a escassez da segunda.
O ódio é uma interrupção do pensamento e uma irracionalidade paralisadora. Como pensar é árduo, odiar é fácil. Se a religião é o ópio do povo para Marx, o ódio é o ópio da mente. Ele intoxica e impede todo e qualquer outro incômodo.

Por fim, o ódio tem um traço do nosso narciso infantil. O mundo deve concordar conosco. Quando não concorda, está errado. Somos catequistas porque somos infantis. A democracia é boa sempre que consagra meu candidato e minha visão do mundo. A democracia é ruim, deformada ou manipulada quando diz o contrário. Todo instituto de pesquisa é comprado quando revela algo diferente do meu desejo. Não se trata de pensar a realidade, mas adaptá-la ao meu eu. As crianças contemporâneas (especialmente as que têm mais de 50 anos como eu) batem o pé, fazem beicinho, mandam mensagem no WhatsApp e argumentam. Mas, como toda criança, não ouvimos ninguém. Ou melhor, ouvimos, desde que o outro concorde comigo; então ele é sábio e equilibrado. Selecionamos os fatos que desejamos não pelo nosso espírito crítico, mas por uma decisão prévia e apriorística que tomamos internamente. Grosso modo, isso foi explicado em Uma Teoria da Dissonância Cognitiva, de Leon Festinger.

Seria bom perceber que o ódio fala muito de mim e pouco do objeto que odeio. Mas o principal tema do ódio é meu medo da semelhança. Talvez por isso os ódios intestinos sejam mais virulentos do que os externos. Odeio não porque sinta a total diferença do objeto do meu desprezo, mas porque temo ser idêntico. Posso perdoar muita coisa, menos o espelho.
Mas o ódio é feio, um quasímodo moral. A ira continua sendo um pecado capital. Assim, ele deve vir disfarçado da defesa da ética, do amor ao Brasil, da análise econômica moderna. Esses são os apolos que banham de luz a fealdade. E, como queria o rebelde  (que odiava o Estado), sempre teremos 999 professores de virtude para cada pessoa virtuosa. Em oposição, encerro acrescentando: sempre teremos 999 pessoas odiando para cada pessoa que pensa. Isso às vezes me dá um ódio...


 

AGUA DE BEBER

Marcelo Rubens Paiva
30 outubro 2014 | 12:15



A água da piscina do condomínio começou a baixar um azulejo por semana. A moradora do bloco B, zelosa pela condição física, a única que nadava todas as noites, foi a primeira notar. Avisou o porteiro, que avisou o chefe do turno, que reportou ao zelador. Vazamento?
O síndico, sedentário que não zelava pela condição física, demorou para chamar o técnico terceirizado. Que disse, numa inspeção cuidadosa, que o fenômeno ocorria na vizinhança. Fenômeno? Sugeriu checarem as imagens gravadas pelas câmeras espalhadas.
Na administração do prédio, num monitor sem cor nem definição, técnico terceirizado, zelador e síndico sedentário viram a moradora do bloco B entrar na piscina e nadar. Elogiaram a disposição e o bom condicionamento. Adiantaram as imagens. Viram que, no meio da madrugada, pessoas encapuzadas apareciam correndo e, com baldes, retiravam às pressas água da piscina. Adultos e crianças. Subtraíam água do bem coletivo de uso compartilhado pela massa condominial. Quem?
Pelo mesmo monitor, viu-se que naquele horário ninguém atravessou o esquema de monitoramento do perímetro condominial (portaria gaiola, ou clausura, com sistema de “intertravamento”, portaria blindada, cercas eletrificadas, grades duplas, alarmes e sensores a laser). Não tinha outra: moradores dos blocos A, B e C, independentemente do condicionamento físico, surrupiavam noite após noite água da piscina.
Numa reunião marcada com urgência na Associação de Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais, descobriu-se que o fenômeno era epidêmico. Condôminos roubavam água das piscinas dos próprios condomínios. E residências com piscinas eram invadidas por ladrões de água. Sugestão: redobrar a vigilância, cobrir piscinas com lonas e grades, até a crise abastecimento do Estado passar.
O boato se espalhou. Esgotou-se o estoque de baldes e afins. A notícia de que a água estava com os dias contados foi a mais comentada em redes sociais por dias. Clubes e academias de natação foram invadidos por gangues organizadas que, com SUVs adaptados com caixas d’água de polietileno e fibra de vidro nas carrocerias, com capacidade de armazenarem até 5 mil litros, chegavam armados de bastões, agrediam fisioterapeutas, professores, pacientes e clientes com ou sem tendinites e dores nos meniscos, e sugavam a água dos reservatórios que encontrassem. Clorada e salinizada.
Pessoas estocavam água potável ou não em casa, no quintal, na varanda, no armário, no cofre. A Força de Segurança Federal foi chamada para cercar o sistema público de tratamento de água e esgoto, que podia ser tomado pelo novo movimento sem-água, braço radical do sem-terra e sem-teto, que acampou nos portões da companhia mista de capital aberto de saneamento básico do Estado.
Postos de gasolina viram o estoque de água mineral de suas lojas de conveniência se esgotar. Passaram a vender a água estocada de seus lava-rápidos. O negócio era uma mina de ouro. A clientela não parava. Esvaziaram os tanques de gasolina e passaram a vender água pelas bombas de gasolina aditivada, comum e etanol. O preço, lógico, foi reajustado.
Filas de clientes com galões se formaram. Caminhões tanques, que antes transportavam gasolina, diesel e álcool, traziam água de rios distantes. Como sempre, as agências reguladoras, criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada, como  a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e a Agência Nacional de Águas, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, que coordena a gestão dos recursos hídricos no país e regula o acesso à água, foram as últimas a se darem conta da crise.
Uma comissão mista, acoplada a uma força tarefa, foi criada tarde demais, quando já não se vendia mais combustível na maioria dos postos da cidade, e a população obstinada agia anarquicamente e se organizava em milícias em busca de água.
De bairro em bairro, as torneiras secaram. Famílias armadas paravam carros no farol e anunciavam o assalto. Enquanto as vítimas se preparavam para entregar bolsas, correntes, relógios e celulares, num gesto rápido e aparentemente bem treinado, o líder da gangue abria o capô por dentro, mantendo as vítimas sob a mira de um revólver, enquanto, numa operação bem orquestrada, sua família retirava água dos reservatórios do carro assaltado, incluindo a do radiador.
O Estado de Emergência mudou para o Estado de Calamidade Pública do dia para a noite. Aviões não mais posavam nem decolavam, já que não havia combustível nem água nos aeroportos. As linhas telefônicas ficaram congestionadas, com pessoas em busca do que beber. A internet caiu: a expressão “água potável” foi a mais digitada em sites de busca, superando “Justin Bieber”, “dieta de Hollywood” e “como adquirir barriga tanquinho”.
Carros como o Fusca, com motor refrigerado a ar, foram valorizados. Mas a enorme quantidade de veículos sem combustível e com motor fundido (sem água no radiador) parada no meio do caminho congestionou ruas, alamedas, avenidas, túneis, artérias rodoviárias das cidades e estradas. O trânsito travou de vez.
Carroceiros trocaram seus instrumentos de trabalho por apartamentos. Uma bicicleta passou a valer mais do que um SUV. Um pangaré passou a valer mais que uma Ferrari 550 Maranello V-12 com 485 cavalos de potência.
A moradora do Bloco B, sem condição física, já que estava há dias sem nadar, decidiu não encarar a jornada a que a população se propôs: rumar para o norte em comboios.
Viu da sua janela a procissão de farrapos humanos imundos e sedentos abandonando a cidade em busca de água. Carroças, bicicletas, carrinhos de supermercado, skates, tudo que tivesse rodas servia para a grande migração. Viu o porteiro e o chefe do turno ajudarem a empurrar o carrinho de lixo com pertences do síndico e do zelador, que partiam com a grande massa que, ao longe, lembrava migração de gnus na África.
Poucos ficaram, esperando que autoridades competentes e incompetentes conseguissem resolver o problema.
Até acabar a luz.

20 ANOS DE MANGUEBEAT


Corpo de Lama

Chico Science

Este corpo de lama que tu vê
É apenas a imagem que sou
Este corpo de lama que tu vê
É apenas a imagem que é tu
Que o sol não segue os pensamentos
Mas a chuva muda os sentimentos
Se o asfalto é meu amigo eu caminho
Como aquele grupo de caranguejos
Ouvindo a música dos trovões
Esta chuva de longe que tu vê
É apenas a imagem que sou
Este sol bem de longe que tu vê
É apenas a imagem que é tu
Fiquei apenas pensando que seu rosto
Parece com as minhas idéias fiquei apenas
Lembrando que há muitas garotas sorrindo
Em ruas distantes há muitos meninos
Correndo em mangues distantes
Esta rua de longe que tu vê
É apenas a imagem que sou
Esse mangue de longe q tu vê
É apenas a imagem que é tu ehhh!!
Se o asfalto é meu amigo eu caminho
Como aquele grupo de caranguejos
Ouvindo a música dos trovões
Deixai que os fatos sejam fatos naturalmente
Sem que sejam forjados para acontecer
Deixai que os olhos vejam os pequenos detalhes
Lentamente deixai que as coisas que lhe circundam
Estejam sempre inertes como móveis
Inofensivos para lhe servir quando for
Preciso e nunca lhe causar danos
Sejam eles morais físicos ou psicológicos