GENEBRA - A União Europeia enviou na quarta-feira, 12, a governos de
todo o mundo um projeto concreto de restruturação da internet com
objetivo de reduzir o poder dos EUA sobre a rede mundial de
computadores. A iniciativa diplomática, que será levada a discussão em
uma cúpula em abril, em São Paulo, inclui a descentralização do
organismo responsável pela distribuição de domínios na rede, com sede na
Califórnia.
A proposta é vista como uma aproximação de Bruxelas com as ideias
defendidas pelo Brasil desde a revelação de que a presidente Dilma
Rousseff e a Petrobrás foram alvo de espionagem pela Agência de
Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês).
"Recentes revelações sobre a espionagem em larga escala colocaram em
questão a liderança dos EUA no que se refere à governança da internet",
diz a UE no documento. "É necessária uma transição suave para um modelo
mais global, mas que, ao mesmo tempo, proteja os valores de uma
governança aberta", afirma.
Nem tudo na proposta é uma defesa das ideias brasileiras. Bruxelas é
contra a criação de um tratado internacional para regular a internet,
algo defendido em Brasília (mais informações nesta página). "Alguns
estão pedindo que a União Internacional de Telecomunicações assuma um
papel na internet. Concordo que governos têm um papel crucial, mas
decisões de cima para baixo não são as respostas corretas", defendeu
Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia.
Detalhes.
O projeto apresentado inclui a transformação da Corporação para
Atribuição de Nomes e Números na Internet (Icann, na sigla em inglês) em
uma entidade mundial. Atualmente, a organização encarregada de
estabelecer o controle de sites e registrar domínios, além de ter base
na Califórnia, segue as leis americanas e um contrato com o governo dos
EUA. Para dar um sinal de que estava se internacionalizando, a Icann
abriu bases em Cingapura e Istambul, mas o controle da rede continua nos
EUA.
Uma preocupação central na Europa é evitar uma divisão na comunidade
internacional que leve à criação de uma eventual internet paralela por
países asiáticos. A UE sugere um "compromisso para globalizar a tomada
de decisões", mas com o compromisso de manter a rede aberta e coesa. Nos
últimos anos, países como a China levantaram tal hipótese para romper o
controle americano sobre a rede.
No lugar de colocar a web sob administração da ONU, outra ideia
cogitada após as revelações do ex-colaborador da CIA Edward Snowden, os
europeus sugerem o fortalecimento de entidades globais e a criação de
novos organismos. Outra preocupação é a de garantir que uma reforma não
signifique dar a regimes autoritários a capacidade de censurar a
internet. "Não estamos negociando liberdades fundamentais e direitos
humanos", afirmou Kroes.
Nos últimos meses, chineses, sauditas, venezuelanos, iranianos, entre
outros, têm aproveitado as acusações aos EUA para sugerir que a
internet não poderia ser um terreno "sem controle". "A internet precisa
continuar sendo uma rede única, aberta e livre", defendeu Kores.
Os americanos indicaram que participarão da cúpula sobre a internet
no Brasil em abril, mas não parecem dispostos a abrir mão do controle da
Icann. "O governo dos EUA aprecia a liderança da comunidade técnica
nesse assunto importante", declarou o subsecretário de Comércio
americano, Lawrence Strickling. Uma segunda reunião está marcada para
ocorrer em outubro na Coreia do Sul.
by Jamil Chade - Estadão