O Brasil acordou, afinal
Nilson Luiz May
Médico e escritor
O ditado popular “antes tarde do que nunca”, se aplica de forma perfeita à situação que estamos vivenciando nos últimos dias. O povo brasileiro pacífico, indolente, neutro e omisso, estava na contramão da história. Agora, não está mais. Graças aos jovens que assumiram a força-tarefa de recuperar a dignidade perdida.
Assistiremos, no decorrer dos próximos dias – e queiram as forças populares, no decorrer dos próximos meses – a manifestações candentes de repúdio aos governantes dos diversos partidos que chegaram ao poder, nas cidades, nos estados e – basicamente – no Congresso Nacional e no Planalto. Surgirão analistas e cientistas políticos para explicar, com suas verborragias, pelos canais das variadas mídias, os motivos de tais revoltas, sem unicidade, sem liderança carismática, sem aparentes propósitos. Comparar o movimento com o Fora Collor, talvez fosse oportuno. Há, no entanto, fundamental diferença: as redes sociais.
Qualquer cidadão, com mediana condição de atento observador da evolução de nossa história recente, é capaz de apontar as causas desta amedrontadora explosão das ruas. Basta memória.
Ao final do século XX, quando o então candidato socialista Lula da Silva ameaçava desestabilizar a estrutura capitalista da nação, os grandes empresários e megainvestidores ameaçavam deixar o país se o “comunista” fosse eleito. O persistente candidato do Partido dos Trabalhadores foi ungido presidente do Brasil, e os outrora inimigos nunca ganharam ou desviaram tanto como naquele período. Os balanços dos bancos nacionais e estrangeiros, publicados na imprensa, apresentaram lucros fantásticos a cada semestre. As taxas, as tarifas e os impostos cresceram em progressão geométrica, enquanto a poupança e FGTS impuseram perdas aos trabalhadores, porque a correção não acompanhou a inflação. Foi plantada ali a semente da economia sem fôlego.
Na área política, as últimas esperanças desceram à cova rasa quando o já ex-presidente apertou a mão do Sr. Paulo Maluf, elemento procurado pela Polícia Internacional. No afã de eleger seu candidato à Prefeitura de São Paulo, destruiu toda a fascinante ideologia construída desde a década de 1980. O que vale um aperto de mão! Na má política tradicional, fazem-se as alianças mais espúrias, para atingir o desiderato de eleger “seu poste”. Mas isto servia, até então, para os outros partidos, não para a ética do PT, que foi, naquele ato, quebrada, dilacerada, jogada na vala comum. Neste momento, para os milhões de jovens que ainda acreditavam numa ideologia partidária, caiu a máscara e veio a decepção e o desamparo, sementes da revolta.
Depois, vieram os sucessivos episódios de corrupção que atingiram seu auge no processo do Mensalão, acompanhado por todo o país. O heróico e austero ministro Joaquim Barbosa ganhou os holofotes da mídia e o prestígio nacional. Ovacionado nas ruas, chegou a ser aclamado para concorrer à Presidência do Brasil. Dia após dia, milhares de folhas foram lidas pelo relator, e outras milhares para justificar os votos dos ministros. A cada decisão, um réu recebia a comunicação da pena imposta – anos de prisão e multa pecuniária. Ao final do processo, cadeia sumária, anunciavam os jornais. Mas, tudo terminou, e ainda havia outros recursos que beneficiavam os réus. A santa ignorância do cidadão comum não detectara que, acima da decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda era possível encontrar amparo para delongas judiciais, que até hoje permanecem. E a semente da frustração foi plantada junto às sementes da decepção, do desamparo e das perdas sociais.
Em episódio mais recente, o Senador da República Renan Calheiros, que respondia a vários processos, que o obrigaram, inclusive, a renunciar à presidência do Senado em 2007, é de novo eleito, interpares, e com apoio de Lula, para o antigo posto. Reage com desfaçatez e sorriso de deboche, às frágeis manifestações populares que queriam impedir esta nomeação. Figura por demais conhecida, com um curriculum vergonhoso, adesista de undécima hora aos círculos do poder, assume o cargo que o levaria a ocupar, pela ordem constitucional, a cadeira de Presidente da República. Em manobras revanchistas, no decorrer do mandato, trama para abrir processo de impeachment contra o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, que enviara denúncia de corrupção, na tentativa de impedir sua ascensão ao cargo máximo do Senado. Não bastasse tal espúria eleição, ainda, na Câmara dos Deputados, para fazer dupla com o Presidente do Senado, é eleito o Sr. Henrique Eduardo Alves, como Presidente. Com isso, “no Senado, tivemos a volta do velho Coronel Renan Calheiros, o segundo pior do pior, pois ele substituiu José Sarney. Sai o Maranhão retrógrado, entra a Alagoas collorida. E, na Câmara, o impopular Henriquinho, 42 anos de parlamento, e nenhum serviço relevante prestado à nação, mas muitos serviços prestados a seus amigos e a sí mesmo”, no dizer do colunista Juremir Machado da Silva, à época das citadas eleições. Em outras palavras, estavam autorizados, pelos parlamentares eleitores, a utilizar seus mandatos de representação, sem prestar contas ou ouvir queixas da sociedade. E, é claro que, todas essas manobras sempre têm o apoio incondicional do senhor Fernando Collor de Melo, ex-presidente expulso do cargo, agora paladino da moralidade e defensor intransigente de seus antigos adversários. Mais algumas sementes de perplexidade e asco, juntaram-se às demais.
E a Copa do Mundo? Gastos milionários para construção dos estádios que abrigarão os jogos da Copa, seriam suficientes para construir hospitais e escolas no sentido de amenizar os graves problemas enfrentados na área da saúde e da educação. Estádios faraônicos ficarão vazios após o evento (por exemplo na construção do estádio de Brasília, o Governo teria desembolsado 1 bilhão de reais). E mais… licitações serão dispensadas por falta de tempo, dinheiro público será usado em obras inúteis, aeroportos caóticos e despreparados servirão de manchetes para jornais internacionais…, punguistas, atravessadores, pedintes, vigaristas, aproveitadores, lesarão os turistas nas ruas. Jamais se verá corrupção igual no país. Joseph Blatter, presidente da Fifa, afirma: “o futebol é mais forte que a insatisfação das pessoas; tudo vai passar”. Será? O que este senhor conhece a respeito da vida das famílias brasileiras? Seriam os dirigentes da Fifa e da CBF, modelos de honestidade para ditar conselhos? Suas entidades têm moral suficiente para declarar que “as pessoas querem futebol, e não discursos”? Será? Ou é o velho chavão do “pão e circo”, que tenta retornar, como se isto ainda fosse possível?
Certamente, todos já ouviram falar no tal fator desencadeante. Pois é! Chegamos a ele. Ele existe em diversas situações individuais, familiares, sociais, empresariais, quando aguentamos atitudes que prejudicam, durante longo período de tempo, que vão minando as nossas forças, e como não queremos reagir, as relevamos, até que a faísca atinja a pólvora, e aí, explodimos. Em outras palavras, é a gota d’água. Exatamente é o que está acontecendo. Fácil, não é? Aumento das passagens do transporte coletivo? É importante, mas não é só isso. Este é apenas o fator desencadeante que motiva as pessoas que não aguentam mais palhaçadas no Congresso Nacional, corrupção generalizada, e não querem continuar omissos e acomodados. As trombetas do despertar soaram fortes, e os jovens saltaram do berço esplêndido, para as ruas.
E aí, a todas as sementes geradas nesses episódios exemplares – a decepção partidária, o desamparo político, a frustração da ordem judicial, a corrupção galopante e disseminada -, somou-se a IMPUNIDADE, terrível germe que se multiplica como metástases de um câncer. E, quando a impunidade passa a ser REGRA no país, todos os cidadãos encontram-se na condição de também não cumprir as leis.
Enquanto a Presidente Dilma diz que “as manifestações são legítimas e coisas da Democracia”, e a oposição “vê recado a ser escutado”, entendemos que ambos consideram-se “fora” dos ataques desencadeados, isentos de responsabilidade, quando na verdade estão no núcleo das insatisfações. “O problema não é conosco”, “nosso governo tem o apoio da maioria da população” – parecem justificar. Grave e irresponsável engano. O governante forte e decisivo toma posições que impõem respeitabilidade e firmeza, não compactuando, não se aliando, mas denunciando a impunidade e, exigindo medidas severas dos órgãos competentes. O que não tem acontecido.
O presidente da Câmara Federal mostrou-se surpreso, por desconhecer a motivação dessas pessoas, capazes de promover tais tumultos. Quer a resposta? Convide o Presidente do Senado e, em dupla, olhem-se no espelho.
Fonte: Coluna do Juremir Machado da Silva
Médico e escritor
O ditado popular “antes tarde do que nunca”, se aplica de forma perfeita à situação que estamos vivenciando nos últimos dias. O povo brasileiro pacífico, indolente, neutro e omisso, estava na contramão da história. Agora, não está mais. Graças aos jovens que assumiram a força-tarefa de recuperar a dignidade perdida.
Assistiremos, no decorrer dos próximos dias – e queiram as forças populares, no decorrer dos próximos meses – a manifestações candentes de repúdio aos governantes dos diversos partidos que chegaram ao poder, nas cidades, nos estados e – basicamente – no Congresso Nacional e no Planalto. Surgirão analistas e cientistas políticos para explicar, com suas verborragias, pelos canais das variadas mídias, os motivos de tais revoltas, sem unicidade, sem liderança carismática, sem aparentes propósitos. Comparar o movimento com o Fora Collor, talvez fosse oportuno. Há, no entanto, fundamental diferença: as redes sociais.
Qualquer cidadão, com mediana condição de atento observador da evolução de nossa história recente, é capaz de apontar as causas desta amedrontadora explosão das ruas. Basta memória.
Ao final do século XX, quando o então candidato socialista Lula da Silva ameaçava desestabilizar a estrutura capitalista da nação, os grandes empresários e megainvestidores ameaçavam deixar o país se o “comunista” fosse eleito. O persistente candidato do Partido dos Trabalhadores foi ungido presidente do Brasil, e os outrora inimigos nunca ganharam ou desviaram tanto como naquele período. Os balanços dos bancos nacionais e estrangeiros, publicados na imprensa, apresentaram lucros fantásticos a cada semestre. As taxas, as tarifas e os impostos cresceram em progressão geométrica, enquanto a poupança e FGTS impuseram perdas aos trabalhadores, porque a correção não acompanhou a inflação. Foi plantada ali a semente da economia sem fôlego.
Na área política, as últimas esperanças desceram à cova rasa quando o já ex-presidente apertou a mão do Sr. Paulo Maluf, elemento procurado pela Polícia Internacional. No afã de eleger seu candidato à Prefeitura de São Paulo, destruiu toda a fascinante ideologia construída desde a década de 1980. O que vale um aperto de mão! Na má política tradicional, fazem-se as alianças mais espúrias, para atingir o desiderato de eleger “seu poste”. Mas isto servia, até então, para os outros partidos, não para a ética do PT, que foi, naquele ato, quebrada, dilacerada, jogada na vala comum. Neste momento, para os milhões de jovens que ainda acreditavam numa ideologia partidária, caiu a máscara e veio a decepção e o desamparo, sementes da revolta.
Depois, vieram os sucessivos episódios de corrupção que atingiram seu auge no processo do Mensalão, acompanhado por todo o país. O heróico e austero ministro Joaquim Barbosa ganhou os holofotes da mídia e o prestígio nacional. Ovacionado nas ruas, chegou a ser aclamado para concorrer à Presidência do Brasil. Dia após dia, milhares de folhas foram lidas pelo relator, e outras milhares para justificar os votos dos ministros. A cada decisão, um réu recebia a comunicação da pena imposta – anos de prisão e multa pecuniária. Ao final do processo, cadeia sumária, anunciavam os jornais. Mas, tudo terminou, e ainda havia outros recursos que beneficiavam os réus. A santa ignorância do cidadão comum não detectara que, acima da decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda era possível encontrar amparo para delongas judiciais, que até hoje permanecem. E a semente da frustração foi plantada junto às sementes da decepção, do desamparo e das perdas sociais.
Em episódio mais recente, o Senador da República Renan Calheiros, que respondia a vários processos, que o obrigaram, inclusive, a renunciar à presidência do Senado em 2007, é de novo eleito, interpares, e com apoio de Lula, para o antigo posto. Reage com desfaçatez e sorriso de deboche, às frágeis manifestações populares que queriam impedir esta nomeação. Figura por demais conhecida, com um curriculum vergonhoso, adesista de undécima hora aos círculos do poder, assume o cargo que o levaria a ocupar, pela ordem constitucional, a cadeira de Presidente da República. Em manobras revanchistas, no decorrer do mandato, trama para abrir processo de impeachment contra o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, que enviara denúncia de corrupção, na tentativa de impedir sua ascensão ao cargo máximo do Senado. Não bastasse tal espúria eleição, ainda, na Câmara dos Deputados, para fazer dupla com o Presidente do Senado, é eleito o Sr. Henrique Eduardo Alves, como Presidente. Com isso, “no Senado, tivemos a volta do velho Coronel Renan Calheiros, o segundo pior do pior, pois ele substituiu José Sarney. Sai o Maranhão retrógrado, entra a Alagoas collorida. E, na Câmara, o impopular Henriquinho, 42 anos de parlamento, e nenhum serviço relevante prestado à nação, mas muitos serviços prestados a seus amigos e a sí mesmo”, no dizer do colunista Juremir Machado da Silva, à época das citadas eleições. Em outras palavras, estavam autorizados, pelos parlamentares eleitores, a utilizar seus mandatos de representação, sem prestar contas ou ouvir queixas da sociedade. E, é claro que, todas essas manobras sempre têm o apoio incondicional do senhor Fernando Collor de Melo, ex-presidente expulso do cargo, agora paladino da moralidade e defensor intransigente de seus antigos adversários. Mais algumas sementes de perplexidade e asco, juntaram-se às demais.
E a Copa do Mundo? Gastos milionários para construção dos estádios que abrigarão os jogos da Copa, seriam suficientes para construir hospitais e escolas no sentido de amenizar os graves problemas enfrentados na área da saúde e da educação. Estádios faraônicos ficarão vazios após o evento (por exemplo na construção do estádio de Brasília, o Governo teria desembolsado 1 bilhão de reais). E mais… licitações serão dispensadas por falta de tempo, dinheiro público será usado em obras inúteis, aeroportos caóticos e despreparados servirão de manchetes para jornais internacionais…, punguistas, atravessadores, pedintes, vigaristas, aproveitadores, lesarão os turistas nas ruas. Jamais se verá corrupção igual no país. Joseph Blatter, presidente da Fifa, afirma: “o futebol é mais forte que a insatisfação das pessoas; tudo vai passar”. Será? O que este senhor conhece a respeito da vida das famílias brasileiras? Seriam os dirigentes da Fifa e da CBF, modelos de honestidade para ditar conselhos? Suas entidades têm moral suficiente para declarar que “as pessoas querem futebol, e não discursos”? Será? Ou é o velho chavão do “pão e circo”, que tenta retornar, como se isto ainda fosse possível?
Certamente, todos já ouviram falar no tal fator desencadeante. Pois é! Chegamos a ele. Ele existe em diversas situações individuais, familiares, sociais, empresariais, quando aguentamos atitudes que prejudicam, durante longo período de tempo, que vão minando as nossas forças, e como não queremos reagir, as relevamos, até que a faísca atinja a pólvora, e aí, explodimos. Em outras palavras, é a gota d’água. Exatamente é o que está acontecendo. Fácil, não é? Aumento das passagens do transporte coletivo? É importante, mas não é só isso. Este é apenas o fator desencadeante que motiva as pessoas que não aguentam mais palhaçadas no Congresso Nacional, corrupção generalizada, e não querem continuar omissos e acomodados. As trombetas do despertar soaram fortes, e os jovens saltaram do berço esplêndido, para as ruas.
E aí, a todas as sementes geradas nesses episódios exemplares – a decepção partidária, o desamparo político, a frustração da ordem judicial, a corrupção galopante e disseminada -, somou-se a IMPUNIDADE, terrível germe que se multiplica como metástases de um câncer. E, quando a impunidade passa a ser REGRA no país, todos os cidadãos encontram-se na condição de também não cumprir as leis.
Enquanto a Presidente Dilma diz que “as manifestações são legítimas e coisas da Democracia”, e a oposição “vê recado a ser escutado”, entendemos que ambos consideram-se “fora” dos ataques desencadeados, isentos de responsabilidade, quando na verdade estão no núcleo das insatisfações. “O problema não é conosco”, “nosso governo tem o apoio da maioria da população” – parecem justificar. Grave e irresponsável engano. O governante forte e decisivo toma posições que impõem respeitabilidade e firmeza, não compactuando, não se aliando, mas denunciando a impunidade e, exigindo medidas severas dos órgãos competentes. O que não tem acontecido.
O presidente da Câmara Federal mostrou-se surpreso, por desconhecer a motivação dessas pessoas, capazes de promover tais tumultos. Quer a resposta? Convide o Presidente do Senado e, em dupla, olhem-se no espelho.
Fonte: Coluna do Juremir Machado da Silva